Um assunto que deve instigar muita gente é o velho embate econômico sobre qual seria o fator mais relevante: demanda ou oferta? Existe alguma relação de causalidade? Isso sempre me fez refletir muito, em especial pelo posicionamento neoclássico de que a oferta é quem determina o produto e, portanto, a demanda estaria subjugada!
Ao se colocar na posição de um empresário, alguém pode questionar esse tipo de abordagem e raciocinar da seguinte forma “afinal de contas, se a decisão de produção está diretamente ligada (e dependente) a demanda que se espera (e validada, de certa forma, pela demanda observada) que o consumidor realiza de seus bens, como é que a demanda pode ser classificada como fator passivo?”
Num primeiro momento isso pode não fazer muito sentido. No entanto, se olhada por um prisma distinto, essa colocação pode fazer sentido. Partindo desse contexto, creio que o cerne da questão seria o que se entende por “demanda”. Discorro sobre a demanda (sob a ótica neoclássica) dividindo em dois grandes blocos: (1) O que seria a demanda?; (2) Horizonte de Tempo envolvendo as questões de oferta e demanda.
(1) O QUE É DEMANDA?
1.1) Calcada nas idéias clássicas do auto-interesse individual -- e não do coletivo -- é que se caracteriza o desejo de consumo! É através deste que se mede o "bem-estar" (por mais conflituosa que seja a escolha da métrica usada para tal) do indivíduo. É a busca pelo máximo de "bem-estar", portanto, que define o desejo de consumir como o DNA do indivíduo neoclássico. O "bem-estar" seria traduzido pela cesta de consumo de bens, serviços e etc que o indivíduo conseguisse consumir de acordo com seu mix de preferência desejada. Ou seja, o desejo é por consumir sempre mais! (no “economês”, isso significa dizer que a utilidade é monotônica no consumo e que, portanto, na busca pela maximização da utilidade, mais consumo sempre gera mais utilidade)
1.2) Mas o que permitiria que uma elevação (ou retração) no consumo fosse observada?A resposta: flutuações na "restrição orçamentária" dos agentes econômicos. Se as pessoas desejam consumir sempre mais (pois isso aumenta seu bem-estar), consumirão sempre o máximo que sua restrição orçamentária permitir. É natural que as pessoas também levem em consideração que o futuro e, portanto, pensem em poupar (que também pode ser interpretado como “consumo futuro”). Ou seja, variações da demanda, partindo dos pressupostos neoclássicos, podem ser pensadas como oscilações na restrição orçamentária (presentes e futuras – mercado de crédito) das pessoas.
Prefiro pensar na demanda, portanto, como “gasto reprimido... reprimido pela restrição orçamentária (intertemporal)!”
(2) HORIZONTE (TIMING)
O elemento temporal também é relevante para tratar dessa questão entre oferta e demanda. Isso significa distinguir o curto e longo prazo.
2.1) Um trecho do blog de J. Bradford DeLong é interessante na medida em que aborda o assunto temporal distinguindo os efeitos em cada prazo considerado:
"I tell my undergraduates:
· At a time horizon of 0-3 years, be a Keynesian: the most important things are the fluctuations in unemployment, in real demand, and in capacity utilization.
· At a time horizon of 3-8 years, be a demand-side monetarist: you can assume (provisionally) that fluctuations in employment, real demand, and capacity utilization die out; the most important things are the fluctuations in the composition of real demand (investment vs. consumption vs. government vs. net exports) and in inflation- and deflation-causing nominal demand assuming (provisionally) stable growth of the economy's productive capacity.
· At a time horizon of 8 years or greater, be a sane supply-sider: the most important things are the processes of investment in physical, human, and organizational capital that raise the economy's productive capacity."
O que esse trecho significa? Basicamente que se faz necessário um posicionamento acerca das forças determinantes para cada horizonte de tempo.
O setor privado faz suas apostas (ao investir, consumir e poupar) sobre quais serão os resultados da economia. Grosso modo, no curto-prazo, vê-se claramente que a produção realizada muitas vezes supera ou não a demanda – justificando a existência de estoques (procurando sempre mantê-los em proporção adequada. Afinal, nada é de graça nesse mundo!). No entanto, no longo-prazo as expectativas de "sobras" (estoques) não devem existir, pois não seria racional das empresas produzirem além do que se espera para sua demanda – implicando que oferta e demanda devem se igualar.
2.2) Maiores discordâncias, imagino, devem envolver o curto prazo. O argumento que se escuta envolve a existência da ociosidade da capacidade produtiva. Este fato seria uma característica inequívoca de que a demanda é quem (mais) importa.
No curto prazo, a estrutura produtiva é fixa – visto que não se levanta uma fábrica da noite para o dia, mas isso toma tempo – e o insumo variável (mão-de-obra) é quem absorve (quase) toda variação que ocorre na economia. Mas que empresa, em sã consciência, teria em mente construir para manter sua fábrica ociosa? Na realidade, como os empresários trabalham de acordo com expectativas, o tamanho das fábricas têm uma relação direta com o que se espera de potencial de demanda pelos seus produtos. Em outras palavras, uma empresa define que uma fábrica será produzida para dar conta de demanda futura. Uma vez em funcionamento, a fábrica – que não pode ser produzida instantaneamente e a qualquer hora – teria de ter capacidade para absorver a demanda por, pelo menos, o tempo necessário para a construção de uma nova fábrica. Quanto menor for empreendimento (em termos de volume de produção potencial, tempo na construção e etc), mais rápido a empresa reagirá para investir em uma nova fábrica (supondo que a demanda mantenha o ritmo de crescimento inicial). Ou seja, a ociosidade hoje é expectativa de demanda futura.
A existência de “estoques” também é vista como argumento que invalidaria a idéia de que a oferta tem papel mais relevante. Ao tomarem decisões de quanto produzir, as empresas estão apostando em uma quantia de demanda por seu produto. Muitas vezes a empresa não acerta a quantidade demanda por seu produto. O reflexo disso é o aumento ou redução dos estoques. Caso a demanda seja menor, haverá um aumento dos estoques: a empresa, durante sua decisão de quanto produzir no próximo instante, levará em conta a quantidade estocada e, possívelmente produzirá menos (supondo que a expectativa de demanda se mantenha). Caso a quantidade demandada seja maior do que o previsto, para que a empresa não deixe de atender sua demanda, portanto, parece natural que o comportamento da estocagem seja racional e não desproporcional (aos seus custos financeiros – de estocagem – e de oportunidade – custo econômico). O estoque tem um papel importante na medida em que permite que as empresas acomodem – considerando suas limitações de produção no curto prazo – as flutuações nas vendas, reduzindo a insatisfação da clientela (ou seja, impedir que sua demanda seja perdida).