quarta-feira, dezembro 02, 2009

Demanda sob a ótica Neoclássica

Um assunto que deve instigar muita gente é o velho embate econômico sobre qual seria o fator mais relevante: demanda ou oferta? Existe alguma relação de causalidade? Isso sempre me fez refletir muito, em especial pelo posicionamento neoclássico de que a oferta é quem determina o produto e, portanto, a demanda estaria subjugada!

Ao se colocar na posição de um empresário, alguém pode questionar esse tipo de abordagem e raciocinar da seguinte forma “afinal de contas, se a decisão de produção está diretamente ligada (e dependente) a demanda que se espera (e validada, de certa forma, pela demanda observada) que o consumidor realiza de seus bens, como é que a demanda pode ser classificada como fator passivo?”

Num primeiro momento isso pode não fazer muito sentido. No entanto, se olhada por um prisma distinto, essa colocação pode fazer sentido. Partindo desse contexto, creio que o cerne da questão seria o que se entende por “demanda”. Discorro sobre a demanda (sob a ótica neoclássica) dividindo em dois grandes blocos: (1) O que seria a demanda?; (2) Horizonte de Tempo envolvendo as questões de oferta e demanda.


(1) O QUE É DEMANDA?

1.1) Calcada nas idéias clássicas do auto-interesse individual -- e não do coletivo -- é que se caracteriza o desejo de consumo! É através deste que se mede o "bem-estar" (por mais conflituosa que seja a escolha da métrica usada para tal) do indivíduo. É a busca pelo máximo de "bem-estar", portanto, que define o desejo de consumir como o DNA do indivíduo neoclássico. O "bem-estar" seria traduzido pela cesta de consumo de bens, serviços e etc que o indivíduo conseguisse consumir de acordo com seu mix de preferência desejada. Ou seja, o desejo é por consumir sempre mais! (no “economês”, isso significa dizer que a utilidade é monotônica no consumo e que, portanto, na busca pela maximização da utilidade, mais consumo sempre gera mais utilidade)

1.2) Mas o que permitiria que uma elevação (ou retração) no consumo fosse observada?A resposta: flutuações na "restrição orçamentária" dos agentes econômicos. Se as pessoas desejam consumir sempre mais (pois isso aumenta seu bem-estar), consumirão sempre o máximo que sua restrição orçamentária permitir. É natural que as pessoas também levem em consideração que o futuro e, portanto, pensem em poupar (que também pode ser interpretado como “consumo futuro”). Ou seja, variações da demanda, partindo dos pressupostos neoclássicos, podem ser pensadas como oscilações na restrição orçamentária (presentes e futuras – mercado de crédito) das pessoas.

Prefiro pensar na demanda, portanto, como “gasto reprimido... reprimido pela restrição orçamentária (intertemporal)!”


(2) HORIZONTE (TIMING)

O elemento temporal também é relevante para tratar dessa questão entre oferta e demanda. Isso significa distinguir o curto e longo prazo.

2.1) Um trecho do blog de J. Bradford DeLong é interessante na medida em que aborda o assunto temporal distinguindo os efeitos em cada prazo considerado:

"I tell my undergraduates:

· At a time horizon of 0-3 years, be a Keynesian: the most important things are the fluctuations in unemployment, in real demand, and in capacity utilization.

· At a time horizon of 3-8 years, be a demand-side monetarist: you can assume (provisionally) that fluctuations in employment, real demand, and capacity utilization die out; the most important things are the fluctuations in the composition of real demand (investment vs. consumption vs. government vs. net exports) and in inflation- and deflation-causing nominal demand assuming (provisionally) stable growth of the economy's productive capacity.

· At a time horizon of 8 years or greater, be a sane supply-sider: the most important things are the processes of investment in physical, human, and organizational capital that raise the economy's productive capacity."

O que esse trecho significa? Basicamente que se faz necessário um posicionamento acerca das forças determinantes para cada horizonte de tempo.

O setor privado faz suas apostas (ao investir, consumir e poupar) sobre quais serão os resultados da economia. Grosso modo, no curto-prazo, vê-se claramente que a produção realizada muitas vezes supera ou não a demanda – justificando a existência de estoques (procurando sempre mantê-los em proporção adequada. Afinal, nada é de graça nesse mundo!). No entanto, no longo-prazo as expectativas de "sobras" (estoques) não devem existir, pois não seria racional das empresas produzirem além do que se espera para sua demanda – implicando que oferta e demanda devem se igualar.

2.2) Maiores discordâncias, imagino, devem envolver o curto prazo. O argumento que se escuta envolve a existência da ociosidade da capacidade produtiva. Este fato seria uma característica inequívoca de que a demanda é quem (mais) importa.

No curto prazo, a estrutura produtiva é fixa – visto que não se levanta uma fábrica da noite para o dia, mas isso toma tempo – e o insumo variável (mão-de-obra) é quem absorve (quase) toda variação que ocorre na economia. Mas que empresa, em sã consciência, teria em mente construir para manter sua fábrica ociosa? Na realidade, como os empresários trabalham de acordo com expectativas, o tamanho das fábricas têm uma relação direta com o que se espera de potencial de demanda pelos seus produtos. Em outras palavras, uma empresa define que uma fábrica será produzida para dar conta de demanda futura. Uma vez em funcionamento, a fábrica – que não pode ser produzida instantaneamente e a qualquer hora – teria de ter capacidade para absorver a demanda por, pelo menos, o tempo necessário para a construção de uma nova fábrica. Quanto menor for empreendimento (em termos de volume de produção potencial, tempo na construção e etc), mais rápido a empresa reagirá para investir em uma nova fábrica (supondo que a demanda mantenha o ritmo de crescimento inicial). Ou seja, a ociosidade hoje é expectativa de demanda futura.

A existência de “estoques” também é vista como argumento que invalidaria a idéia de que a oferta tem papel mais relevante. Ao tomarem decisões de quanto produzir, as empresas estão apostando em uma quantia de demanda por seu produto. Muitas vezes a empresa não acerta a quantidade demanda por seu produto. O reflexo disso é o aumento ou redução dos estoques. Caso a demanda seja menor, haverá um aumento dos estoques: a empresa, durante sua decisão de quanto produzir no próximo instante, levará em conta a quantidade estocada e, possívelmente produzirá menos (supondo que a expectativa de demanda se mantenha). Caso a quantidade demandada seja maior do que o previsto, para que a empresa não deixe de atender sua demanda, portanto, parece natural que o comportamento da estocagem seja racional e não desproporcional (aos seus custos financeiros – de estocagem – e de oportunidade – custo econômico). O estoque tem um papel importante na medida em que permite que as empresas acomodem – considerando suas limitações de produção no curto prazo – as flutuações nas vendas, reduzindo a insatisfação da clientela (ou seja, impedir que sua demanda seja perdida).

quarta-feira, novembro 11, 2009

Poupança, Investimento e a Relação de Causalidade na visão de mundo de Ortodoxos e Heterodoxos

Eu estava prestes a escrever algo a respeito do apagão recente, mas ao me deparar com o artigo "Poupança e Investimento" de Antonio Corrêa de Lacerda, publicado hoje (4a-feira) no Estadão -- para os curiosos, além do link (vinculado ao nome do artigo) deixo o artigo abaixo de alguns de meus comentários e farei outros ao longo do texto --, resolvi ficar com esse tema.

O tema, como o próprio título do artigo expõe, envolve "poupança e investimento". O autor descreve, ao longo do artigo, quais seriam as principais diferenças entre o que é visto como um dos grandes focos de desentendimento entre correntes de pensamento ortodoxas e heterodoxas: a relação de causalidade entre poupança e investimento.

Para aqueles com pouca disposição de ler o artigo, eis meu resumo: Ortodoxos acreditam que a causalidade vai da poupança para investimento, enquanto que para heterodoxos ocorre o inverso (investimento para poupança).

Toda vez que surge esse tipo de discussão, sempre me vem a mente a história de 'Sexta-Feira' e 'Robinson Crusoe'. Essa história, que ocorre em uma economia de trocas (traduzindo do "economês" isso significa dizer que é um mundo em que não há dinheiro em forma de moeda e que as pessoas realizam seus negócios na base de trocas de bens -- uma maçã por uma manga, por exemplo), implica em uma condição, necessária, para que as trocas ocorram: a poupança. Em outras palavras, a poupança precede o investimento.

Para não dizerem que estou sendo injusto e deixando de lado argumento de ambos os lados, heterodoxos argumentam que emerge da dimensão tratada do problema, ou seja, o resultado no agregado é distinto daquele que tratamos no nível micro... Por favor, além de corrigir eventuais besteiras, peço que complementem a argumentação que aqui faltar.

Ainda assim, me parece distante que tal resultado seja identificado no macro e não no micro.

Além disso existe uma questão temporal que, de certa forma, culmina na necessidade de poupança. As decisões que uma pessoa toma visam o consumo imediato, mas também o consumo futuro! Esse detalhe torna a decisão de poupança simultânea as decisões de consumo corrente... mais que isso, é a decisão de poupar hoje que financia (e garante) o consumo de amanhã. Me parece, portanto, um tanto equivocado tratar a questão da poupança como residual.

Vale lembrar que pessoas de baixa renda (e que não tenham um estoque de riqueza para "queimar" em tempos difíceis) venham a consumir toda (ou quase toda) sua renda para manter um nível mínimo de consumo (consumo de subsistência) e que, dessa forma, não poupam nada (ou quase nada) de sua renda.



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Poupança e investimento

Antonio Corrêa de Lacerda*







A carência de poupança e investimento, ambos abaixo de 20% do produto interno bruto (PIB), entrou na ordem do dia do debate econômico brasileiro, especialmente tendo em vista a relativamente bem-sucedida e rápida saída da crise e as perspectivas concretas de retomada do crescimento.

Há uma evidência na economia de que para sustentar o crescimento é preciso garantir uma taxa de investimentos que proporcione uma ampliação da oferta, isto é, da infraestrutura e capacidade produtiva das empresas de forma a atender à elevação da demanda sem gerar gargalos e pressões inflacionárias, assim como a explosão do déficit externo pelo aumento das importações requeridas. Também fica claro que países que investem muito, como é o caso especialmente dos asiáticos, possuem elevadas taxas de poupança (de 30% a 40% do PIB).

No entanto, o que nem sempre é tão evidente é o que vem primeiro. Se os países que mais crescem o fazem porque foram capazes de gerar poupança para viabilizar o investimento ou, se ao contrário, a partir de taxas elevadas de crescimento isso puxou os investimentos e, consequentemente, a poupança.
Para a macroeconomia ortodoxa a poupança é um pré-requisito para o crescimento. Isso exigiria anos, talvez décadas, para que se atingisse um nível ideal de poupança para financiar o investimento e o crescimento. Já para os heterodoxos é justamente a indução do crescimento acelerado que estimula o investimento, produz renda e, consequentemente, a poupança. Nesse segundo caso, a poupança é resultado do processo.

Há duas frentes de contribuições heterodoxas importantes nesse ponto, uma advinda da teoria e outra, da história de desenvolvimento econômico das nações. A contribuição teórica vem de John M. Keynes, cada vez mais citado na saída da crise, porém, ainda, infelizmente, muito pouco lido e interpretado. Para Keynes, ao contrário da ortodoxia convencional,
a poupança não é um pré-requisito para o investimento e o crescimento econômico, mas justamente o oposto. Ou seja, o que estimula o "espírito animal" do investidor produtivo é uma expectativa firme de crescimento da demanda. Portanto, a palavra-chave no caso é a criação de fontes alternativas de financiamento e crédito que independam de uma poupança prévia, no sentido de privação do consumo. A viabilização do financiamento e do crédito propiciaria a criação de riqueza e geração de valor agregado, portanto, renda da qual uma parcela poderá se constituir em crescimento da poupança. A ressalva é importante porque muitas análises de inspiração ortodoxa apontam a carência de poupança como fator impeditivo do investimento e do crescimento.

(MAS O QUE SERIAM 'FONTES DE FINANCIAMENTOS' -- SEJAM ELAS ALTERNATIVAS OU NÃO? AFINAL DE CONTAS, PARA QUE O FINANCIAMENTO EXISTA ELE DEVE SER RESULTADO DE...?? OU ESTOU EQUIVOCADO?)

A segunda contribuição importante, esta advinda da análise da experiência de desenvolvimento dos países, denota que especialmente no caso asiático a hipótese keynesiana se confirmou. Ou seja, o que proporcionou o aumento do investimento e da poupança foi, além de aspectos culturais e históricos, o crescimento econômico acelerado induzido por forte participação do Estado e o estímulo de políticas macroeconômicas favoráveis.

Para o Brasil, por exemplo, sabidamente de baixa poupança, sair desse dilema será determinante para o futuro. Não há mais tempo a perder. É preciso ter o crescimento e o aumento do investimento como objetivos de política econômica e criar um ambiente favorável para o investimento privado.

O mercado de capitais, as fontes públicas de financiamento (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, entre outros), o mercado financeiro, incluindo aí os fundos de pensão, os fundo mútuos e outros são importantes fontes de financiamento do desenvolvimento. O Brasil também tem uma experiência bem-sucedida de aproveitamento da poupança externa, especialmente o investimento direto estrangeiro para complementar suas necessidades.

As condições macroeconômicas são imprescindíveis, como câmbio competitivo, juros baixos e estrutura tributária adequada. Outro instrumento importante é a política de competitividade, leia-se política industrial, comercial e de inovação, que pode fomentar a geração de valor agregado local e exportações. O Brasil tem todas as condições de combinar ações que lhe sejam mais favoráveis ao desenvolvimento.

sexta-feira, novembro 06, 2009

Bolha Cambial - Nouriel Roubini, Folha de S.Paulo (3a-feira, 03/11/2009)

Creio que a leitura do artigo do economista Nouriel Roubini, publicado na Folha de S.Paulo (3a-feira, 03/11/2009), vale para uma discussão futura a respeito do tema "bolha" -- seja cambial ou não.

O artigo também consta no site abaixo:


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QUANTO MAIOR A BOLHA ATUAL, MAIOR SERÁ O INEVITÁVEL ESTOURO

Para o economista Nouriel Roubini, juros negativos nos EUA e dólar fraco geram "mãe" de todos os "carry trades" e bolha global cujo estouro é inevitável

NOURIEL ROUBINI
DO "FINANCIAL TIMES"

Desde março vem ocorrendo um aumento maciço em ativos de alto risco de todo tipo -participações, preços do petróleo, energia e commodities-, um estreitamento dos "spreads" de alta rentabilidade e alta classificação e um aumento maior ainda nas classes de ativos de mercados emergentes (suas ações, obrigações e moedas).

Ao mesmo tempo, o dólar caiu muito, enquanto a rentabilidade dos títulos governamentais tem aumentado ligeiramente, mas se mantido baixa e estável.

Essa recuperação dos ativos de alto risco é movida em parte por melhores condições econômicas fundamentais. Evitamos uma quase depressão e um derretimento do setor financeiro com um estímulo monetário e fiscal maciço e pacotes de socorro aos bancos. Quer a recuperação tenha formato de V, conforme a visão consensual, ou tenha formato de U e seja anêmica, como eu argumento, os preços dos ativos deveriam estar subindo gradualmente.

Contudo, ao mesmo tempo em que as economias americana e global iniciaram uma recuperação modesta, desde março os preços dos ativos vêm subindo vertiginosamente, numa alta grande e sincronizada. Em 2008, quando o dólar subia, os preços dos ativos estavam em queda forte, mas, desde março, eles têm recuperação acentuada, enquanto o dólar cai. Os preços dos ativos de alto risco vêm subindo demais, cedo demais e rápido demais em comparação com os fundamentos.

O que está por trás dessa alta maciça? Com certeza, foi ajudada pela onda de liquidez advinda de juros a quase zero e flexibilização quantitativa das condições monetárias. Mas um fator mais importante que alimenta a bolha de ativos é a fraqueza do dólar americano, movida pela "mãe" de todos os "carry trades" [operação em que o investidor pega empréstimos com juros muito baixos, como os dos EUA hoje, e aplica em outros ativos]. O dólar virou a principal moeda a financiar os "carry trades", na medida em que o Fed [BC dos EUA] vem segurando os juros. Os investidores que estão vendendo o dólar a descoberto para comprar ativos de rentabilidade maior e outros ativos globais em base altamente alavancada não estão só contraindo empréstimos a juros zero em termos do dólar -estão contraindo empréstimos a juros muito negativos, que podem chegar a 10% ou 20% negativos ao ano-, na medida em que a queda do dólar leva a ganhos maciços de capital sobre posições do dólar.

Resumindo: negociantes estão contraindo empréstimos a juros negativos de 20% para investir em base altamente alavancada em uma massa de ativos globais de alto risco que estão subindo devido ao excesso de liquidez e a um "carry trade" maciço. Cada investidor que joga esse jogo de alto risco fica parecendo um gênio -mesmo que só navegue numa bolha imensa-, já que os retornos totais têm estado na faixa entre 50% e 70% desde março.

A consciência que as pessoas têm do valor em risco de seus portfólios deveria ter aumentado devido à correlação crescente dos riscos entre classes diferentes de ativos, todos movidos por essa política monetária comum e pelo "carry trade". Na prática, virou uma grande negociação comum -você compra o dólar para adquirir qualquer ativo de alto risco.

Ao mesmo tempo, porém, o risco percebido das classes individuais de ativos vem declinando, na medida em que a volatilidade diminuiu graças à política do Fed de comprar tudo que está à vista. Assim, o efeito conjunto da política de taxa zero sobre fundos do próprio Fed, flexibilização quantitativa das condições monetárias e aquisição maciça de instrumentos de dívida de longo prazo está aparentemente fazendo o mundo ser seguro -por enquanto- para o maior de todos os "carry trades" e a maior de todas as bolhas de ativos globais altamente alavancados.

Ao mesmo tempo em que essa política alimenta a bolha global, também alimenta uma nova bolha de ativos americanos. Dinheiro fácil, facilitação do crédito e fluxo maciço de capitais para os EUA por meio de um acúmulo de reservas em divisas estrangeiras em outros países tornam os deficit fiscais dos EUA mais fáceis de financiar e alimentam a bolha americana de participações e crédito.

Finalmente, um dólar fraco é bom para as participações acionárias americanas, já que pode gerar crescimento maior e elevar os lucros de multinacionais.

A política americana insensata que alimenta esses "carry trades" obriga outros países a adotar a mesma política monetária. Políticas de juros a quase zero e flexibilização quantitativa já eram seguidas no Reino Unido, na zona do euro, no Japão, na Suécia e em outras economias avançadas, mas a debilidade do dólar vem agravando essa flexibilização monetária global. Ásia e América Latina, preocupadas com a fraqueza do dólar, estão intervindo agressivamente para impedir a valorização excessiva de suas moedas. Isso segura os juros de curto prazo em níveis inferiores aos desejáveis. É possível que os BCs também sejam forçados a reduzir os juros.

Preocupados com o dinheiro quente que vem inflando suas moedas, algumas autoridades, como as do Brasil, vêm impondo controles aos fluxos de capital entrantes. Mas a bolha do "carry trade" vai se agravar: se as moedas estrangeiras se valorizarem mais, o custo negativo dos empréstimos do "carry trade" ficará ainda maior. Se intervenções ou operações no mercado aberto controlarem a valorização das moedas, a flexibilização monetária doméstica decorrente alimentará a bolha nessas economias. Assim, a bolha perfeitamente correlacionada de todas as classes de ativos globais cresce diariamente.

Mas essa bolha vai estourar um dia, levando ao maior estouro coordenado de ativos já visto: se fatores puderem levar o dólar a reverter sua queda e a se valorizar repentinamente -como em inversões anteriores-, o "carry trade" alavancado terá de ser encerrado de uma hora para a outra, à medida que os investidores cobrem suas transações a descoberto com dólar. Haverá um estouro da boiada, com o fechamento de posições de alto risco e alavancagem longa em todas as classes de ativos financiadas por transações em dólar a descoberto gerando colapso coordenado de todos esses ativos de alto risco -ações, commodities, ativos de emergentes e instrumentos de crédito.

Por que esses "carry trades" desabarão? Para começar, o dólar não pode cair a zero, e em algum momento se estabilizará; quando isso acontecer, o custo de empréstimos em dólar repentinamente se tornará zero, em lugar de altamente negativo, e o risco de uma inversão no dólar levará muitos investidores a cobrirem suas transações a descoberto. Em segundo lugar, o Fed não poderá suprimir a volatilidade para sempre. Em terceiro, se o crescimento americano surpreender positivamente, os mercados podem começar a esperar que um arrocho do Fed chegue mais cedo, não mais tarde. Em quarto, pode haver fuga do risco movida pelo medo de um repique recessivo ou risco geopolítico, como um choque EUA/Israel-Irã.

Esse processo pode não ocorrer por algum tempo, já que o dinheiro fácil e a liquidez global excessiva ainda poderão elevar os ativos por algum tempo.

Mas, quanto mais se prolongarem e quanto mais crescer a bolha, maior o crash. O Fed e outros responsáveis pela política econômica parecem não ter consciência da bolha monstro que criam. Quanto mais tempo permanecerem cegos, mais dolorosa será a queda.


NOURIEL ROUBINI é professor da Universidade de Nova York e presidente da RGE Monitor.

quarta-feira, novembro 04, 2009

Câmbio e a (eterna) briga entre ortodoxos e heterodoxos

A recente sinalização do governo em relação ao ingresso de capital expõe que seu desejo não tem vínculo direto com a elevação das receitas, mas com uma possível apreciação cambial advinda do ingresso de capital tratado como "especulativo".

O que é de se estranhar é que o valor da taxa parece ter mais uma função simbólica do desejo que o governo tem do que efetivamente tentar frear o tal capital especulativo. Isso me lembra uma situação em que uma pessoa decide fazer algo e, no meio do caminho, questiona seu ato, resultando em algo pífio! Em outras palavras -- para não deixar muito confuso --, o Ministro Guido "Coalhada" (como ironiza meu tio!) adoraria taxar o ingresso de capital (com taxas elevadas), mas não pode fazê-lo da maneira que gostaria, resultando em algo insatisfatório para aqueles que acreditam que a taxação é ruim e, inclusive, para seus próprios objetivos!

Para auxiliar a leitura de muitos que não entendem alguns possíveis motivos que levam o Ministro a acreditar que um câmbio apreciado pode se traduzir em um resultado ruim para o país, vale atentar para uma idéia que norteia boa parte de correntes keynesianas.

Algumas correntes de pensamento -- a uma delas nosso ministro parece ter alguma afeição -- que têm base nos ensinamentos keynesianos acreditam que:
1) O PIB é resultado da demanda.
2) Dentre os componentes, o mais relevante é o de demanda externa.
3) Dito isso, fica fácil de concluir que um país precisaria gerar superávits na Balança Comercial (Exportações - Importações > 0) que permitissem elevar o PIB.
4)E como chegar a esse resultado? Criando maior competitividade para o setor exportador via preços (câmbio!).
5) Outro elemento que geralmente aparece junto ao argumento de depreciação do câmbio é que se faz necessária uma Política Industrial que viabilize uma reestruturação da indústria em favor das indústrias de elevada tecnologia ou que permitam agregar valor! Essa última idéia advém da interpretação de que existe um contexto de desigualdade em favor dos países ricos. E essa desigualdade tende a ser perpétua caso não seja quebrada a dependência de países pobres em relação aos ricos explícito nas relações de consumo externo.

Isso auxiliará no entendimento de parte das discórdias que economistas ditos "desenvolvimentistas" têm com relação a seus pares ortodoxos.

Dois artigos interessantes publicados recentemente que abrangem a questão cambial são (fico devendo um artigo que defenda o oposto):

(i) do economista Ilan Goldfajn, publicado no Estadão de hoje (terça, 03/11/2009), entitulado "O câmbio e o equilíbrio macroeconômico":
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091103/not_imp460248,0.php

(ii) do economista Alexandre Schwarstman, publicado em seu blog "A Mão Invisível":
http://maovisivel.blogspot.com/2009/11/cambio-e-politica-fiscal_9806.html

Apresentação do Blog!

Meu nome é Guilherme de Moraes Attuy. Sou estudante de economia com bacharel pelo IBMEC-SP. Atualmente curso o Doutorado em Teoria Econômica do IPE/FEA/USP.

Meu intuito com este blog é permitir que discussões de cunho econômico sejam trazidas mais próximas ao público mais leigo deixando que este interaja mais ativamente com questões relevantes presentes no dia-a-dia.

O título do blog, apesar de provocativo -- para aqueles que discordam do conceito de equilíbrio empregado no contexto ortodoxo --, não tem como finalidade última discorrer sobre o mesmo. Mas creio que tenho a obrigação de dar uma explicação!

O conceito de equilíbrio, apesar de um dos protagonista de grande discórdia entre correntes de pensamento, é relevante na medida em que serve como um benchmark para quaisquer estudos que venham a ser feitos.

Vale ressaltar que a idéia de "equilíbrio" aqui empregada não traz consigo a suposição que este venha a ser único, muito menos imutável!

Dito isso, o título revela uma idéia que, a meu ver, está presente não só no mundo econômico, mas na natureza. Um exemplo pode ser obtido das aulas de física da época de colégio. Quando um objeto -- inicialmente em repouso -- é forçado a se mover como resultado de uma força atribuída sobre ele, por um período curto de tempo, este objeto tenderá a se estabilizar (seja "parando" em decorrência do atrito ou, em um caso de inexistência deste, se acomodando em uma velocidade constante).

Enfim, a essência que circunda essa história é que há, em tudo, um certo grau do conceito de equilíbrio...

Outro grande motivador para a criação do blog é a eterna vontade de aprender! Acho que sempre que dividimos idéias e experiências, nossa vida se torna mais interessante e sempre acabamos por aprender algo novo. Aprendemos com os erros e com opiniões distintas (que nos forçam a pensar no que antes não havíamos pensado). Enfim, "aprendizado" é o desafio que levo para minha vida!

Espero que gostem do blog.
Sejam bem vindos!
Guilherme