sexta-feira, junho 29, 2012

A aparente contradição entre baixo desemprego e baixo crescimento do produto

Associar baixas taxas de desemprego a um ambiente com baixas taxas de crescimento do PIB parece um resultado estranho. Tal constatação pode parecer estranha especialmente para economistas que estão acostumados a uma dinâmica positiva entre produção e taxa de desemprego.


Algumas teorias, que tentam explicar essa aparente contradição identificada no Brasil desde o início da crise dos subprimes, têm sido enunciadas por diversos economistas. Duas me chamaram a atenção:


(1) Fatores da oferta do mercado de trabalho (não me recordo quem teria levantado essa hipótese): A redução da taxa de desemprego --  U/(E+U) -- tem sido mascarada pelas diferentes taxas de crescimento das outras variáveis relevantes para sua formação -- População em Idade Ativa (PIA) e da taxa de participação.


(2) Realocação de recursos entre setores da economia:

(2.1) (Monica Baumgarten de Bolle) Seria uma questão estrutural, resultado de uma análise da Fronteira de Possibilidades de Produção (FPP) da produção do país, indicando que o Brasil estaria se especializando no setor de Serviços. Ou seja, que estaríamos nos movendo ao longo da FPP e, como resultado, o aquecimento do mercado de trabalho seria um mero reflexo de algum ponto fora da FPP -- porém, em rota de convergência à mesma --, realocando os recursos em favor de um setor. Como resultado, a indústria é penalizada.

(2.2) (Affonso Celso Pastore) A redução da Selic, que costuma ser mais sentida pela indústria, tem estimulado mais o setor de serviços. Isso ocorre, pois a crise dos subprimes/dívidas soberanas acaba mantendo a inflação sob controle, forçando a indústria tupiniquim a manter seus preços mais baixos, por produzir bens tradables que têm concorrência externa. Ou seja, como a indústria vê seus preços relativos ao setor de serviços ( tradables/non-tradables) cair, desestimulando a produção. Dessa maneira, mesmo com a indústria sendo mais penalizada por conta da crise "na gringa", dado o tamanho do setor de serviços, relativo ao da indústria, o impacto da contração do emprego industrial é dominado pelo crescimento do emprego de serviços -- que não sofre concorrência externa e tem sido privilegiado, seja pela política de expansão do consumo promovida pelo governo.


Concordo com todas as exposições acima, no entanto compro mais a histórica contada pelo Pastore (pra curto prazo, enquanto que a da Monica valeria para um prazo maior). "Deixe eu lhes dizer..." o por quê. Em poucas palavras, a 1a história e me parece mais estrutural e, portanto, tenderia a se manifestar num prazo mais longo. No caso da versão da economista Monica de Bolle, apesar de também parecer mais estrutural e, portanto, de mais longo prazo, me parece um movimento que já estaria em curso há um certo tempo, logo não seria necessariamente isso que estaria causando essa aparente contradição. A história do Pastore me parece mais coerente por se tratar de um movimento de prazo menor.

No entanto, creio que a explicação do Pastore ainda pode ser complementada com mais um detalhe importante e que casa com um fator já muito noticiado na mídia: a escassez da mão de obra qualificada no Brasil. Dentre os tipos de desemprego verificados (friccional, sazonal, cíclico e estrutural), o desemprego estrutural -- entendido como desequilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra -- pode ser causado por conta da heterogeneidade da mão de obra, inviabilizando a mobilidade da mesma entre setores. Essa demora (ou inexistência) da mobilidade de recém desempregados de um setor para o outro, seria decorrência da demanda por tipos de diferentes skills em cada setor.

Parece razoável, portanto, dizer que a mobilidade de um setor para o outro é assimétrica por conta do requerimento mínimo em cada setor. Enquanto a indústria necessita de pessoas com um nível mínimo de qualidade técnica (para manuseio do maquinário, por exemplo), o setor de serviços não tem a mesma necessidade.

Dessa maneira, pensemos em dois cenários: (i) o setor de serviços se expande enquanto a indústria contrai -- acho que vi isso no noticiário outro dia!! -- e (ii)  o setor de serviços se contrai enquanto a indústria expande. Ou seja, cenários opostos. Dado a qualidade do contingente de mão de obra brasileira e o tamanho de cada setor, o cenário "i" sugere que parte dos desempregados da indústria poderiam ser absorvidos absorvidos pelo setor de serviços, amortecendo os efeitos sobre a taxa de desemprego. Já o cenário "ii" sugere que SE nosso setor de serviços estivesse em apuros, boa parte da mão de obra recém ingressa no desemprego não conseguiria ser absorvida pela indústria no mesmo tempo do cenário "i" por conta dos requerimentos mínimos da qualidade da mesma. Ou seja, essa contingente necessitaria, antes, de treinamento para se qualificar e, então, iniciar a busca por emprego no setor industrial.

Ou seja, por mais que os sinais de vida da indústria brasileira -- que aparenta ter atingido um novo patamar de crescimento, resultante, também, do chamado "Custo Brasil": elevado custo tributário; (falta de) infraestrutura em melhores condições; juros (ainda) elevados; resultado, dentre outros motivos, da baixa poupança do país; e baixa produtividade -- indiquem que a coisa realmente esta feia, lembrem-se que ela poderia ser pior!

quinta-feira, setembro 30, 2010

"Brasil, hoje o país da moda." Mas mesmo a moda acomoda!

O Brasil é hoje o país da moda! Só se fala em Brasil. Pode-se dizer, tranquilamente, que estamos todos "comprados em Brasil"! No entanto, o país não tem se portado de maneira exemplar no quesito "política fiscal".

Lembro que, em meio a efervescência da crise, um economista brasileiro de destaque teria dito -- em um artigo seu escrito no Estadão -- que a crise teria sido a melhor coisa que poderia ter ocorrido para o atual governo. A crise teria possibilitado ao governo liberar as correntes que prendiam seu lado "gastão"! Não é de estranhar que desde que a crise passou a arrefecer o que se percebe é a falta de inciativa do governo em tirar o pé do acelerador.

Em parte, é fácil entender a postura agressiva que temos assistido -- inúmeros aportes que o Tesouro tem feito ao BNDES e das mágicas contábeis que o governo federal tem feito para fechar a conta do superávit primário, por exemplo -- por conta do período eleitoral. Mas nem por isso é justificável. Muito pelo contrário, é um tanto perigoso. Como alguns economistas têm chamado a atenção, tal política tem como resultado o aumento da dívida do governo.

A grande preocupação não recai sobre o nível atual da dívida, mas da possível trajetória que ela passaria a ter. Em especial, com o viés mais expansionista que se espera de Dilma Rousseff na presidência.

Apesar de todas incertezas existentes na transição do atual governo para o que se inicia em 2011, tenho uma certeza... a de que o próximo governo enfrentará um possível problema fiscal caso não tome as medidas necessárias (a contenção dos gastos públicos)!

Se o país não aproveitar a boa maré e aprofundar nas questões centrais para uma melhora estrutural (reforma tributária, previdenciária, política, trabalhista, infraestrutura, etc), assim que os países avançados retomarem sua normalidade, o influxo de capital que o país tem recebido poderá retroceder de forma mais acentuada -- reduzindo a oferta de capital para investimento -- tornando a situação corrente algo passageiro.

Podemos, então, dizer "Brasil, hoje o país da moda." Mas mesmo a moda acomoda!


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Chamo a atenção, também, para o artigo "Estratégia Fiscal", publicado no Estadão no dia 26 de setembro de 2010, pelo economista Amir Khair (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100926/not_imp615367,0.php). Algumas questões levantadas pelo autor são, a meu ver, equivocadas. Para facilitar, destaco as passagens e deixo meus comentários no meio do texto escrito pelo autor.


"Estratégia fiscal

AMIR KHAIR - O Estado de S.Paulo


Herança: o novo governo parte de um patamar fiscal superior em relação ao herdado do atual. Os dois principais indicadores são o resultado fiscal (receitas menos despesas, inclusive juros) e dívida líquida do setor público (DLSP). Em 2002, o déficit fiscal foi de 9,6% do PIB e neste ano deve se aproximar de 2%. A DLSP ao final de 2002 estava em 52,2% e neste ano deve fechar em 40%. [O PRIMEIRO EQUÍVOCO DO AUTOR, A MEU VER, É A BASE DE COMPARAÇÃO! É NATURAL QUE SE FAÇA A COMPARAÇÃO ENTRE OS PARTIDOS -- PSDB vs PT --, MAS SERIA MAIS CORRETO E JUSTO UMA COMPARAÇÃO FEITA ENTRE O FIM DO 1o MANDATO LULA E O QUE O 2o PERÍODO DEIXA PARA O PRÓXIMO GOVERNANTE!]

Quatro fatos merecem destaque na comparação das despesas atuais do governo federal com as ocorridas no último ano de FHC: a) 90% da expansão das despesas foram devidas a políticas de transferências de renda (salário mínimo, Bolsa-Família, seguro-desemprego e benefícios assistenciais); b) a despesa de pessoal passou de 4,8% do PIB para 4,7%; c) o chamado "déficit" da Previdência Social estacionou em 1,2% do PIB e; d) os investimentos e inversões financeiras triplicaram.

É fundamental avaliar a evolução das despesas e seus efeitos sobre as receitas. As transferências de renda estimularam o crescimento econômico, ocasionando maior arrecadação e melhoraram os índices sociais e fiscais.

Fatores condicionantes: Para os próximos anos são possíveis crescimentos do PIB superiores a 5% e queda da taxa real de juros. Ambos decisivos para as finanças públicas. O crescimento baliza a receita pública, que cresce acima do PIB puxada pelo faturamento e lucro das empresas, massa salarial, redução da inadimplência e sonegação. A taxa de juros é que tem maior peso para alterar a despesa pública, como podemos ver a seguir.

Ajuste fiscal: Nos últimos anos, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional, a despesa, exclusive juros, do setor público foi de 35% do PIB, sendo 57% de responsabilidade dos Estados e Municípios. Dos 43% de competência do governo federal, apenas 20% são passíveis de redução, por amarrações legais. Admitindo que se consiga reduzir 20% delas via gestão, se teria uma economia na despesa pública de 0,6% do PIB (35% x 43% x 20% x 20%).

Por outro lado, a despesa com juros é de 5,4% do PIB, pois temos a maior taxa de juros do mundo, o triplo (!) do segundo colocado. Se o Brasil tivesse uma taxa de juros a nível internacional, essa despesa seria de 1,8% do PIB, permitindo uma economia de 3,6% do PIB! Assim, o ajuste fiscal poderá alcançar 4,2% do PIB, sendo 0,6% nas despesas e 3,6% nos juros. A racionalização é mais demorada e difícil, mas terá de ser feita. Quanto aos juros, deve-se enfrentar a argumentação de que a Selic é alta por ser necessário sustar a elevação do consumo, que ocasiona a inflação. Vale discutir isso.

Combate à inflação: Para controlar a inflação é necessário ter meta de inflação e a máxima eficácia para atingi-la. Uma alternativa é: a) definir uma meta para 12 meses à frente e não por ano; b) assumi-la como compromisso de governo e não do Banco Central (BC), pois cerca de 70% da evolução dos preços independe do BC. [O SEGUNDO GRANDE EQUÍVOCO DO AUTOR É DESTINAR A RESPONSABILIDADE DA META DE INFLAÇÃO AO GOVERNO E NÃO AO BANCO CENTRAL. UMA DAS PILARES QUE FUNDAMENTAM O REGIME DE METAS É COLOCÁ-LA SOB RESPONSABILIDADE DE UM ORGANISMO INDEPENDENTE. E O QUE SIGNIFICA "SER INDEPENTE" AQUI? SIGNIFICA ELIMINAR A POSSIBILIDADE DE QUE GOVERNANTES USE A INFLAÇÃO EM BENEFÍCIO PRÓPRIO ESTIPULANDO METAS MAIORES QUE PERMITIRIAM UM AUMENTO NOS GASTOS PÚBLICOS.] Exemplo: preços administrados, commodities, alimentos, produtos importados, combustíveis e preços de monopólios, como o minério de ferro e; c) usar arsenal completo no combate à inflação, com políticas monetárias, tributárias, tarifárias, creditícias, alíquotas de importação e controle de preços sobre empresas com poder de monopólio. [A DEFINIÇÃO DE INFLAÇÃO É "ELEVAÇÃO CONSECUTIVA DE PREÇOS". O USO DE POLÍTICA TRIBUTÁRIA, TARIFÁRIA, CREDITÍCIA E ETC É INDEVIDA POR 2 MOTIVOS: (i) O PRIMEIRO É QUE SEUS RESULTADOS SERÃO PONTUAIS E NÃO "CONSECUTIVOS" SOBRE A DINÂMICA DE PREÇOS, (ii) E O SEGUNDO É QUE POLÍTICAS DESSE TIPO GERAM DISTORÇÕES DESNECESSÁRIAS. É CLARO QUE A ESTRUTURA DE MERCADO É RELEVANTE PARA A DETERMINAÇÃO DE PREÇOS, MAS A NATUREZA DA ESTRUTURA DE MERCADO É ALGO QUE NÃO DEVE MUDAR RADICALMENTE POR CONTA DE BENEFÍCIOS FISCAIS.]

Além dessa limitação do BC, a Selic é ineficaz para alterar o consumo, e seu elevado nível gera rombos nas contas externas, como é visto a seguir.

Descolamento: O nível elevado da Selic reduz a oferta e não atua na demanda, que é comandada pela massa salarial, nível de confiança do consumidor, oferta de crédito e taxa de juros ao consumidor, que se descolou da Selic desde que o governo passou a usar suas instituições financeiras para baixar as taxas de juros. Veja duas situações ocorridas. [ERRA O AUTOR AO DIZER QUE A ELEVAÇÃO DA SELIC AFETA SOMENTE A OFERTA! AS VARIAÇÕES DE JUROS AFETAM DEMANDA E OFERTA SIMULTANEAMENTE. O QUE PODE OCORRER É UMA DISTINÇÃO DO 'TIMING' DE REAÇÃO DE CADA CURVA. É PROVÁVEL QUE A OFERTA SEJA MAIS SENSÍVEL, MAS NEM POR ISSO A DEMANDA DEIXA DE SER AFETADA (REFLEXOS SÃO SENTIDOS COM UM PERÍODO DE 6 A 9 MESES)!]

1.ª) De dezembro de 2008 a agosto deste ano a Selic foi reduzida em 3 pontos porcentuais (p.p.), a taxa de juros para as empresas caiu 1,8 p.p. e para o consumidor 18 p.p. É isso mesmo, 18 p.p. Assim, as taxas de juros pagas pela empresas caíram apenas 60% da queda da Selic e as dos consumidores caíram 6 (!) vezes mais (18 dividido por 3).

2.ª) Neste ano, a Selic passou de 8,75% para 10,75%, subindo 2 p.p., com elevação de 2,6 p.p. para as empresas e redução (!) de 1,2 p.p. para os consumidores. [O AUTOR ESQUECE DE MENCIONAR 2 FATORES RELEVANTES QUE ACONTECEM EM PARALELO: (i) A CONSTANTE REDUÇÃO DA INADIMPLÊNCIA -- QUE PERMITE QUE OS BANCOS REDUZAM E/OU NÃO ELEVEM SUAS TAXAS PARA PJ's E PF's -- E (ii) A INCESSANTE CONCESSÃO DE CRÉDITO SUBSIDIADO POR PARTE DO BNDES QUE, QUEIRA OU NÃO, FORÇA AS TAXAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A FICAREM MAIS BAIXAS. É ERRADO, TAMBÉM, ANALISAR COMO UM COMPONENTE DA DEMANDA REAGE À SELIC BASEADO NUMA ANÁLISE DE COMPARAÇÃO ESTÁTICA! NADA IMPEDE QUE ESTIVESSE OCORRENDO UM AJUSTE DOS PRÊMIOS DE RISCO NO PERÍODO ANALISADO PELO AUTOR.]

Se a Selic não serve para controlar a demanda, ela só está servindo para deteriorar as finanças públicas, elevando a dívida e os juros do governo federal, além de causar rombos nas contas externas do País. [VALE RESSALTAR QUE OS JUROS PAGOS NÃO SÃO RESULTADOS SOMENTE DO COMPONENTE DE PREÇO -- SELIC --, MAS TAMBÉM DE QUANTIDADE -- TAMANHO DA DÍVIDA, CUJA RESPONSABILIDADE PERTENCE AO GOVERNO! ALÉM DISSO, COMO A SELIC É UM INSTRUMENTO ENDÓGENO AO SISTEMA, SEU PATAMAR PODE SER JUSTIFICADO POR CONTA DO HISTÓRICO DE CALOTES E DE IRRESPONSABILIDADE FISCAL DO GOVERNO BRASILEIRO!]

Desperdício: Se a Selic continuar sendo 10,75%, vai causar uma elevação adicional nas despesas do governo federal de R$ 10 bilhões neste ano e de R$ 32 bilhões em 2011. Para evitar este desperdício, a ação imediata é conduzir a Selic ao nível internacional. Isso proporcionaria uma redução anual de despesas de R$ 130 bilhões, que equivale a 24% da despesa federal, ou 80% da despesa de pessoal, ou dez vezes o valor do Bolsa-Família.

Perspectivas: Crescimentos de 5%, com redução de 1 ponto porcentual da Selic por ano e superávit primário (receitas menos despesas, exclusive juros) de 1,8% do PIB, permitem obter ao final de 2014 equilíbrio fiscal e dívida líquida de 30% do PIB. Se o crescimento for de 4%, o superávit primário necessário é de 2,1% do PIB. Nos dois casos, as despesas com juros cairiam todo ano e em 2014 seriam de 1,8% do PIB, portanto, no nível internacional.

No entanto, três problemas ameaçam a questão fiscal: a emissão de títulos para uso do BNDES, a elevação das reservas internacionais e a política de controle do câmbio.

BNDES: As operações de empréstimos de R$ 180 bilhões ao BNDES elevaram a dívida bruta do governo federal e custo fiscal pela diferença entre a Selic e a TJLP. Foi necessário o primeiro empréstimo de R$ 100 bilhões em 2009, por causa da crise, mas é questionável o segundo de R$ 80 bilhões feito neste ano. De qualquer forma, as perdas ou ganhos dessas operações vão depender da evolução do diferencial das taxas de juros entre Selic e TJLP, dos lucros obtidos pelo BNDES e no adicional de tributos gerados a favor do governo, o que só poderá ser apurado no futuro.

Além disso, cabe discutir o uso desses recursos para: a) grandes grupos econômicos, que podem contratar empréstimos no exterior; b) estímulo à internacionalização de empresas brasileiras, se não existir restrição à desnacionalização, e c) fusões e aquisições, que reduzam competitividade e elevação posterior de preços, caso não existam condicionalidades que impeçam isso.

Reservas Internacionais: O Brasil atravessou a crise com reservas de US$ 203 bilhões. Atualmente, atingem US$ 270 bilhões, desnecessariamente, através de operações compromissadas do Banco Central, mediante emissão de títulos públicos, que atingiram ao final de julho 12% do PIB (!). Essas operações respondem pela maior parte da elevação da dívida bruta do País, têm custo fiscal maior do que os empréstimos ao BNDES por causa do diferencial de juros entre a TJLP e os títulos do Tesouro americano, mas não foram alvo de crítica como as dos empréstimos do Tesouro ao BNDES. Para atenuar as perdas fiscais dessas operações compromissadas, se deveria usar as reservas nos próximos anos para fechar as contas do balanço de pagamentos.

Câmbio: As contas externas estão deficitárias em parte por causa da valorização do real, que reduz exportações, facilita importações, viagens internacionais e remessa de lucros e dividendos ao exterior. A estratégia que tem adotado o governo para atenuar isso é comprar dólares pelo BC e agora pelo Fundo Soberano, elevando as reservas, que quanto maiores mais atraem dólares, frustrando a estratégia. Como parte ponderável da valorização se deve à elevada Selic, que atrai operações de arbitragem, a solução é a sua redução. Como o BC não fará isso, compete ao Ministério da Fazenda anular a ação do BC, elevando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e voltar a tributar com o Imposto de Renda o lucro dessas operações, eliminando/reduzindo as aplicações especulativas em ações e títulos públicos. Outra possibilidade é estabelecer um prazo de permanência das aplicações especulativas de estrangeiros em ações e títulos de renda fixa. [O CÂMBIO É UM COMPONENTE ENDÓGENO! O DÉFICIT DAS CONTAS EXTERNAS, PORTANTO, É RESULTADO DA ELEVADA DEMANDA NUM PERÍODO EM QUE O BRASIL TEM TIDO CRESCIMENTO ECONÔMICO EXPRESSIVO E OS PAÍSES AVANÇADOS -- DEMANDANTES DE NOSSAS EXPORTAÇÕES --.TÊM SUA DEMANDA EXTERNA RETRAÍDA! COM RELAÇÃO A POLÍTICA SUGERIDA PELO AUTOR -- USO DO IOF PELO MINISTÉRIO DA FAZENDA --, É DIFÍCIL ACREDITAR QUE O USO DESSE INSTRUMENTO TERÁ ALGUM EFEITO SOBRE O LONGO-PRAZO, AINDA MAIS AGORA QUE O BRASIL É A BOLA DA VEZ (O QUE, POR SI SÓ, TENDE A ATRAIR CAPITAL E A RESULTAR NA VALORIZAÇÃO DO REAL).]

Resumindo: 1) Manter políticas de estímulo ao consumo para ampliar o mercado interno, o que garante nível adequado de crescimento econômico. 2) Estabelecer novo sistema de controle da inflação cuja responsabilidade passa a ser do governo. 3) Reduzir a Selic ao nível internacional para garantir de forma eficaz e rápida a maior parte do ajuste fiscal e racionalizar as despesas para completar o ajuste. 4) Tributar os investimentos estrangeiros especulativos, para reduzir a apreciação do real, o rombo nas contas externas e aumentar a arrecadação. 5) Parar com a emissão de títulos para empréstimos ao BNDES. 6) Usar as reservas para cobrir os déficits das contas externas.

Esses seis pontos poderão contribuir para o ajuste fiscal que o País terá de fazer para avançar em relação ao que foi feito até agora."


terça-feira, março 23, 2010

Câmbio e a Especulação Financeira

Muitas vezes -- recentemente, em especial -- vejo que alguns articulistas econômicos têm adotado um tom mais crítico no que se refere aos ganhos financeiros da especulação financeira.

O principal alvo tem sido o câmbio.

Em geral, o argumento que se escuta é de que a economia estaria sendo afetada por conta da apreciação cambial decorrente, em última análise, do grande ingresso de capital especulativo. De certa forma, a crítica está sendo direcionada a um suposto descolamento da esfera financeira em relação à economia produtiva.

Em parte (na passagem que atribui o movimento de apreciação ao forte ingresso de capital), podemos dizer que esse tipo de argumento é válido. Porém até que ponto podemos dizer que essa apreciação é prejudicial à economia? E mais, até que ponto podemos dizer que esse movimento cambial se sustentaria caso fosse prejudicial ao país? Mas, talvez, a pergunta mais relevante seja "até que ponto podemos considerar que o movimento cambial se descola dos fundamentos?"

Portanto, respondendo as perguntas,

(i) Até que ponto podemos dizer que esse movimento cambial se sustentaria caso fosse prejudicial ao país?
RESP.: Por mais que movimentos cambiais sejam entendidos como ruins -- sejam eles caracterizando a moeda como subvalorizada ou sobrevalorizada (em relação ao estado de equilíbrio) --, estes estados não podem se manifestar eternamente. Algum ajuste, portanto, deve ocorrer (seja via contenção da demanda interna, da externa ou do próprio câmbio retornando ao seu estado de equilíbrio).

(ii) "Até que ponto podemos considerar que o movimento cambial se descola dos fundamentos?"
RESP.: O câmbio é um preço que, como qualquer índice, é regido pelas forças do mercado (oferta e demanda). Dessa forma, os movimentos cambiais são meros reflexos dos desejos econômicos. Ou seja, se existem movimentos especulativos (no curto-prazo) que induzem grande volatilidade e incerteza com relação aos movimentos cambiais, no longo-prazo a trajetória cambial está intrinsecamente definida pelos fundamentos. Em outras palavras, se existem movimentos de curto-prazo atuando na contra-mão dos fundamentos, aqueles que apostarem, no longo-prazo, contra o que indicam os fundamentos certamente perderiam. Dito isso, é fácil de imaginar que movimentos de curto-prazo são meros desvios daqueles de longo-prazo. Agora sim...respondendo à pergunta, especuladores estão presentes no curto-prazo, mas não detêm força o suficiente para impedir a trajetória de longo-prazo embutida pelos fundamentos.

(iii) Até que ponto podemos dizer que essa apreciação é prejudicial à economia?
RESP.: Tendo lido as respostas das perguntas acima, fica fácil identificar qual seria minha resposta. Basicamente, essa resposta depende de qual perspectiva temporal que o setor produtivo usa em seu negócio. Aqueles que se debruçam sobre o longo-prazo não seriam afetados. Já a parcela do setor produtivo que depende dos movimentos de curto-prazo, alguns possívelmente seriam afetados, mas seria natural esperar que o ambiente criar seus mecanismos de defesa. Ou seja, se uma empresa depende dos movimentos cambiais de curto-prazo, para sobreviver seria de imaginar que ela buscaria, por exemplo, um hedge. Olhando de uma perspectiva distinta, se uma economia tem grande parcela de suas empresas vinculadas ao setor externo, movimentos de apreciação cambial tenderiam a elevar sua exposição aos competidores internacionais levando muitas delas à falência. Mas, também seria de se esperar que muitas delas aprimorassem sua produtividade e/ou redirecionassem suas vendas para o setor interno. Naturalmente o grau de exposição da economia ao setor externo seria reduzido auxiliando na contenção dos efeitos adversos de tais movimentos.

Em outras palavras, precisamos olhar para a economia como um organismo vivo que se modifica conforme as necessidades e exigências do ambiente. A economia é um organismo que se modifica para se equilibrar.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Geithner vs Moody´s

Dando sequência ao post anterior (Moody´s e a ilusão monetária!), deixo aqui a reportagem, intitulada "Chega pra lá", publicada dia 08 de fevereiro de 2010 por Celso Ming (no Estadão).



Chega pra lá

8 de fevereiro de 2010 | 19h17

Celso Ming

Hoje o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, desautorizouuma das mais importantes agências de classificação de risco, a Moody’s, ao afirmar, em entrevista à rede de TV norte-americana ABC,que jamais os títulos de dívida do Tesouro do país(T-bonds, também conhecidos por treasuries) perderão o rating AAA (cotação máxima).

Até aí já havia rolado uma longa história. Quinta-feira, em relatório, a Moody’s avisou que os T-bonds corriam o risco de serem desclassificados em consequência da forte deterioração fiscal dos Estados Unidos.

A Moody’s é uma dessas agências que se encarregam de examinar a qualidade de um título. Seu objetivo é avaliar as condições que tem uma dívida de ser paga pelo devedor no dia do vencimento, de acordo com os termos de contrato.

É perfeitamente compreensível que a mais importante condição que um devedor tem de honrar seus compromissos de dívida seja a saúde de suas finanças. No caso de um país, essa condição é determinada pela robustez fiscal.

De acordo com a Moody’s, a relação entre a dívida do Tesouro norte-americano e a receita do governo federal recuará de 429% no ano fiscal de 2010 para 394% em 2020, nível excessivamente elevado que não dá mostras de melhora confiável.

As principais agências de classificação de risco, entre as quais está a Moody’s, têm sido fortemente criticadas por graves vícios de procedimento e por uma série de avaliações desastrosas.

O vício de procedimento é o de que as avaliações dessas agências são pagas por quem as encomenda, ou seja, os próprios interessados na qualidade dos títulos. As coisas são assim desde que esse serviço começou a ser feito e não se vê nenhuma iniciativa para mudá-las.

As avaliações desastrosas ficaram escancaradas a partir de setembro de 2008, quando as autoridades e os próprios bancos passaram a dar tratamento de ativos podres a títulos de dívida cuja excelência havia sido reconhecida até dias antes por essas agências.

Quando vem a público e afirma com todas as letras que o rating dos T-bonds, títulos que o mercado considera como referência (benchmark), pode ser rebaixado por causa das dúvidas sobre a capacidade de solvência dos Estados Unidos, a Moody’s parece empenhada em recuperar a credibilidade que ficou abalada.

Rebaixar o T-bond significa reconhecer que centenas de outros títulos públicos e privados, como os da dívida da Alemanha, da Suíça, do Canadá ou da Microsoft (cuja confiança não foi até agora questionada), podem ter qualidade melhor do que a atual referência global.

Mas, se o secretário do Tesouro norte-americano avisa que o alerta da Moody’s é descabido e que jamais os treasuriesperderão o selo AAA, mais uma vez as avaliações da Moody’s são duramente questionadas.

E Geithner não deixa de ter a lógica a seu lado porque, apesar da dívida gigantesca e do rombo orçamentário colossal, os Estados Unidos detêm a prerrogativa de emitir a quase única moeda internacional de reserva.

Quer dizer, se houver uma rejeição dos treasuries pelos credores, em última instância os Estados Unidos os resgatarão com emissão de dólares.

Moody´s e a ilusão monetária

Em artigo publicado, no Valor Econômico -- no caderno de Finanças, dia 04/02/2010 --, intitulado "Moody´s coloca rating dos EUA sob pressão", a agência de classificação de risco Moody´s adota uma postura que pode soar como o fim dos tempos (afinal de contas, o que seria do mundo caso a referência mundial fosse punida?).

Mas, quem refletir um pouco se questionará o que isso realmente implicaria...
Será que os efeitos seriam assim tão devastadores? Nem tanto, eu imagino.

(i) Afinal de contas, as notas são conceitos relativos. Ou seja, caso haja algum rebaixamento da nota dos títulos da dívida norte-americana, os EUA continuariam a ter os títulos mais seguros do mundo, tendo como efeito uma mera redução dos riscos relativos aos títulos mais seguros (dos EUA). Isso só seria diferente caso a mudança da nota implicasse que outra nação assumisse o posto dos EUA.

(ii) Aí entra meu segundo argumento... a Moody´s não teria coragem de substituir os títulos dos EUA por, por exemplo, China ou UE. Isso se segue do seguinte fato: o dólar ainda é a moeda forte do mundo. Grande parte das reservas do mundo está vinculada ao dólar.

Concluindo, na minha opinião, isso não passa de uma estratégia desesperada da Moody´s para tentar reestabelecer parte da sua credibilidade dissipada na crise.

Isso me faz lembrar dos efeitos de ilusão monetária de Friedman. A ameaça da Moody´s não tem fundamentos. O que faz dela uma mera ilusão...




Moody's coloca rating dos EUA sob pressão

Autor(es): Michael Mackenzie e Gillian Tett, Financial Times, de Nova York e Londres
Valor Econômico - 04/02/2010

A Moody's Investors Service lançou um aviso, ontem, segundo o qual a classificação de crédito soberano "AAA" dos EUA poderá ficar sob pressão, a menos que o crescimento econômico seja mais forte do que o esperado ou que medidas mais duras forem tomadas para combater o déficit orçamentário do país.

Em decisão que acompanha o crescimento da preocupação entre os investidores sobre o déficit americano, a Moody's afirmou que o país tem uma trajetória de crescimento da dívida "evidentemente em alta sustentada".

Steven Hess, diretor sênior de crédito na Moody's, disse que o déficit projetado na perspectiva orçamentária apresentada pelo governo Obama nesta semana não estabiliza os níveis de endividamento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). "A menos que novas medidas sejam tomadas para reduzir ainda mais o déficit orçamentário ou que a economia reaja de forma mais vigorosa do que o esperado, o quadro financeiro federal, tal como apresentado nas projeções para a próxima década, em algum momento exercerá pressão sobre a pontuação de crédito 'AAA' dos títulos do governo", disse Moody's em nota sobre emissores de títulos.

Nesta semana, a Casa Branca previu déficit orçamentário de US$ 1,565 trilhão para 2010, o que representa 10,6% do PIB e é a proporção mais elevada entre dívida e PIB desde a Segunda Guerra Mundial. Embora haja previsões de estreitamento do déficit orçamentário, para cerca de 4% em 2013, isso, em parte, se baseia em que o crescimento econômico não caia abaixo das expectativas do governo e que o Congresso concorde com aumento de impostos e congelamento de gastos com despesas discricionárias não relacionados com segurança. O crucial está nas projeções de que a dívida total em relação ao PIB americano passarão de 53% em 2009 para 73% em 2015 e 77% até 2020.

A Moody's, no entanto, diz que isso subestima o nível de endividamento geral americano. "Utilizando a medida geralmente usada por governos internacionalmente - incluindo governos estaduais, municipais e o governo federal -, essa proporção será bastante superior a 100% em 2020." A questão do risco soberano dominou muitas discussões no Fórum Econômico Mundial de Davos na semana passada. Embora muita atenção estivesse centrada na crise fiscal grega, preocupações foram também expressas quanto às perspectivas em países como os EUA e Reino Unido.

"Todo mundo tem razão para, neste momento, estar preocupado com a economia americana e seu dólar", disse Tony Teixeira, vice-diretor da Government of Singapore Investment. "Continuamos julgando que a economia dos EUA é a mais diversificada e resiliente no mundo, mas está passando por um momento difícil." No centro das preocupações, a questão é se países como os EUA, com o seu crescente peso da endividamento, têm a vontade política, ou a percepção consensual, para tomar medidas decisivas para reduzir a dívida.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Avante Argentina!

Aparentemente nossos hermanos têm se situado "do outro lado da força" quando o assunto é economia.

O que antes eram apenas notícias envolvendo políticas industriais impostas pelo governo argentino, agora envolve o BC.

Isso... não se assuste! "BC", aqui, se refere, literalmente, a Autoridade Monetária (o Banco Central).

Saiu no noticiário (no caso uso como referência a notícia do Estado de S.Paulo (05/02/2010), publicada logo abaixo dos comentários -- assim como já tinha sido indicada um dia antes neste mesmo jornal) a confirmação de que Marcó Del Pont é a nova presidente do BC Argentino.

Fato inusitado! Sem dúvida... mas em dobro.

Primeiro por se tratar de uma mulher no comando da maior autoridade monetária de um país. Em segundo lugar por se tratar de uma economista heterodoxa assumindo um BC em tempos em que a corrente dominante é ortodoxa.

A Argentina provavelmente enfrentará mais dificuldades -- agora no campo da inflação -- caso a então presidente (que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso argentino) resolva sancionar o uso das reservas argentinas para quitar as dívidas do país com credores internacionais que têm vencimento previsto para este ano.

Vale dizer que a permissão do uso das reservas pode não ter implicações pontuais apenas, mas de longo-prazo, na medida em que funcionaria como uma espécie de permissão para quaisquer problemas que emergissem na nos campos argentinos.

Alguns devem estar se lamentando pelo fato. Eu, pelo contrário, procuro ver o lado positivo nisso -- não aquele que muitos devem ter pensado: a rivalidade. É de conhecimento geral dos economistas que o tal laboratório econômico não funciona -- pelo menos no campo macroeconômico -- quando bem queremos. Ou seja, não podemos, simplesmente, fazer experimentos com o mundo real para que possamos extrair evidências que contribuam para testar teorias. Basicamente o que se faz no campo da economia é realizar inferências a partir de situações vividas -- por países diversos -- de tal forma consigamos usar as informações obtidas nessas circunstâncias com o objetivo de adequar as políticas ao que se supõe ser correto.

Eu diria que é, por esse lado positivo que menciono, uma felicidade para nós economistas vivenciar tais experiências de perto -- agora me refiro não só ao que ocorre na Argentina, mas a crise global que estamos presenciando --, pois serão elas que nos permitirão adequar nossas políticas mais a frente. Por isso digo, "Avante Argentina!"






Chefe do BC argentino relativiza autonomia

Fiel ao kirchnerismo, Marcó del Pont assume defendendo maior intervenção do Estado



"Acredito na autonomia operacional do Banco Central, mas não em sua independência total." Com essas palavras, a economista neokeynesiana Mercedes Marcó del Pont iniciou ontem sua gestão à frente do BC argentino, mostrando total alinhamento com a presidente Cristina Kirchner.


Marcó del Pont é conhecida por suas posições favoráveis à interferência do Estado na economia e defende o "aprofundamento" do modelo econômico da administração Kirchner. Seu antecessor foi o ortodoxo Martín Redrado, removido por Cristina por discordar do uso de reservas do BC para o pagamento de US$ 6,5 bilhões da dívida pública que vence neste ano.

Marcó del Pont disse que "a política econômica (do governo Kirchner) é consistente", fato que permitiu à presidente Cristina manter "o nível de reservas, o crescimento econômico e a expansão do mercado interno e das exportações". Ela relativizou a importância das reservas do BC ao afirmar que elas são "uma consequência da política econômica, e não a causa disso".

A economista afirmou que a política monetária e cambial aplicada nos últimos anos pela administração Kirchner "será mantida". Além disso, ela descartou os rumores existentes sobre uma eventual desvalorização da moeda, embora seja uma conhecida partidária de um dólar alto que estimule as exportações e a produtividade industrial.

Sua nomeação ainda deverá ser confirmada - ou rejeitada - pelo Senado. No entanto, os analistas políticos destacam que a discussão na Câmara Alta entre o governo e a oposição poderia levar vários meses. Enquanto isso, ela terá poderes totais para exercer suas funções, com o respaldo da presidente Cristina.

A nova chefe do BC é considerada "ultra-kirchnerista" pela oposição. Mas, apesar das divergências existe uma opinião positiva sobre sua capacidade acadêmica. Ela é considerada uma pessoa com a qual "é possível dialogar". Além disso, não está envolvida em suspeitas de corrupção, ao contrário de boa parte dos políticos ligados ao casal Kirchner. Julián Guarino, colunista do jornal El Cronista disse que Marcó del Pont tem uma personalidade "obstinada" e quer a presença do Estado "até em um prato de sopa".

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Demanda sob a ótica Neoclássica

Um assunto que deve instigar muita gente é o velho embate econômico sobre qual seria o fator mais relevante: demanda ou oferta? Existe alguma relação de causalidade? Isso sempre me fez refletir muito, em especial pelo posicionamento neoclássico de que a oferta é quem determina o produto e, portanto, a demanda estaria subjugada!

Ao se colocar na posição de um empresário, alguém pode questionar esse tipo de abordagem e raciocinar da seguinte forma “afinal de contas, se a decisão de produção está diretamente ligada (e dependente) a demanda que se espera (e validada, de certa forma, pela demanda observada) que o consumidor realiza de seus bens, como é que a demanda pode ser classificada como fator passivo?”

Num primeiro momento isso pode não fazer muito sentido. No entanto, se olhada por um prisma distinto, essa colocação pode fazer sentido. Partindo desse contexto, creio que o cerne da questão seria o que se entende por “demanda”. Discorro sobre a demanda (sob a ótica neoclássica) dividindo em dois grandes blocos: (1) O que seria a demanda?; (2) Horizonte de Tempo envolvendo as questões de oferta e demanda.


(1) O QUE É DEMANDA?

1.1) Calcada nas idéias clássicas do auto-interesse individual -- e não do coletivo -- é que se caracteriza o desejo de consumo! É através deste que se mede o "bem-estar" (por mais conflituosa que seja a escolha da métrica usada para tal) do indivíduo. É a busca pelo máximo de "bem-estar", portanto, que define o desejo de consumir como o DNA do indivíduo neoclássico. O "bem-estar" seria traduzido pela cesta de consumo de bens, serviços e etc que o indivíduo conseguisse consumir de acordo com seu mix de preferência desejada. Ou seja, o desejo é por consumir sempre mais! (no “economês”, isso significa dizer que a utilidade é monotônica no consumo e que, portanto, na busca pela maximização da utilidade, mais consumo sempre gera mais utilidade)

1.2) Mas o que permitiria que uma elevação (ou retração) no consumo fosse observada?A resposta: flutuações na "restrição orçamentária" dos agentes econômicos. Se as pessoas desejam consumir sempre mais (pois isso aumenta seu bem-estar), consumirão sempre o máximo que sua restrição orçamentária permitir. É natural que as pessoas também levem em consideração que o futuro e, portanto, pensem em poupar (que também pode ser interpretado como “consumo futuro”). Ou seja, variações da demanda, partindo dos pressupostos neoclássicos, podem ser pensadas como oscilações na restrição orçamentária (presentes e futuras – mercado de crédito) das pessoas.

Prefiro pensar na demanda, portanto, como “gasto reprimido... reprimido pela restrição orçamentária (intertemporal)!”


(2) HORIZONTE (TIMING)

O elemento temporal também é relevante para tratar dessa questão entre oferta e demanda. Isso significa distinguir o curto e longo prazo.

2.1) Um trecho do blog de J. Bradford DeLong é interessante na medida em que aborda o assunto temporal distinguindo os efeitos em cada prazo considerado:

"I tell my undergraduates:

· At a time horizon of 0-3 years, be a Keynesian: the most important things are the fluctuations in unemployment, in real demand, and in capacity utilization.

· At a time horizon of 3-8 years, be a demand-side monetarist: you can assume (provisionally) that fluctuations in employment, real demand, and capacity utilization die out; the most important things are the fluctuations in the composition of real demand (investment vs. consumption vs. government vs. net exports) and in inflation- and deflation-causing nominal demand assuming (provisionally) stable growth of the economy's productive capacity.

· At a time horizon of 8 years or greater, be a sane supply-sider: the most important things are the processes of investment in physical, human, and organizational capital that raise the economy's productive capacity."

O que esse trecho significa? Basicamente que se faz necessário um posicionamento acerca das forças determinantes para cada horizonte de tempo.

O setor privado faz suas apostas (ao investir, consumir e poupar) sobre quais serão os resultados da economia. Grosso modo, no curto-prazo, vê-se claramente que a produção realizada muitas vezes supera ou não a demanda – justificando a existência de estoques (procurando sempre mantê-los em proporção adequada. Afinal, nada é de graça nesse mundo!). No entanto, no longo-prazo as expectativas de "sobras" (estoques) não devem existir, pois não seria racional das empresas produzirem além do que se espera para sua demanda – implicando que oferta e demanda devem se igualar.

2.2) Maiores discordâncias, imagino, devem envolver o curto prazo. O argumento que se escuta envolve a existência da ociosidade da capacidade produtiva. Este fato seria uma característica inequívoca de que a demanda é quem (mais) importa.

No curto prazo, a estrutura produtiva é fixa – visto que não se levanta uma fábrica da noite para o dia, mas isso toma tempo – e o insumo variável (mão-de-obra) é quem absorve (quase) toda variação que ocorre na economia. Mas que empresa, em sã consciência, teria em mente construir para manter sua fábrica ociosa? Na realidade, como os empresários trabalham de acordo com expectativas, o tamanho das fábricas têm uma relação direta com o que se espera de potencial de demanda pelos seus produtos. Em outras palavras, uma empresa define que uma fábrica será produzida para dar conta de demanda futura. Uma vez em funcionamento, a fábrica – que não pode ser produzida instantaneamente e a qualquer hora – teria de ter capacidade para absorver a demanda por, pelo menos, o tempo necessário para a construção de uma nova fábrica. Quanto menor for empreendimento (em termos de volume de produção potencial, tempo na construção e etc), mais rápido a empresa reagirá para investir em uma nova fábrica (supondo que a demanda mantenha o ritmo de crescimento inicial). Ou seja, a ociosidade hoje é expectativa de demanda futura.

A existência de “estoques” também é vista como argumento que invalidaria a idéia de que a oferta tem papel mais relevante. Ao tomarem decisões de quanto produzir, as empresas estão apostando em uma quantia de demanda por seu produto. Muitas vezes a empresa não acerta a quantidade demanda por seu produto. O reflexo disso é o aumento ou redução dos estoques. Caso a demanda seja menor, haverá um aumento dos estoques: a empresa, durante sua decisão de quanto produzir no próximo instante, levará em conta a quantidade estocada e, possívelmente produzirá menos (supondo que a expectativa de demanda se mantenha). Caso a quantidade demandada seja maior do que o previsto, para que a empresa não deixe de atender sua demanda, portanto, parece natural que o comportamento da estocagem seja racional e não desproporcional (aos seus custos financeiros – de estocagem – e de oportunidade – custo econômico). O estoque tem um papel importante na medida em que permite que as empresas acomodem – considerando suas limitações de produção no curto prazo – as flutuações nas vendas, reduzindo a insatisfação da clientela (ou seja, impedir que sua demanda seja perdida).

quarta-feira, novembro 11, 2009

Poupança, Investimento e a Relação de Causalidade na visão de mundo de Ortodoxos e Heterodoxos

Eu estava prestes a escrever algo a respeito do apagão recente, mas ao me deparar com o artigo "Poupança e Investimento" de Antonio Corrêa de Lacerda, publicado hoje (4a-feira) no Estadão -- para os curiosos, além do link (vinculado ao nome do artigo) deixo o artigo abaixo de alguns de meus comentários e farei outros ao longo do texto --, resolvi ficar com esse tema.

O tema, como o próprio título do artigo expõe, envolve "poupança e investimento". O autor descreve, ao longo do artigo, quais seriam as principais diferenças entre o que é visto como um dos grandes focos de desentendimento entre correntes de pensamento ortodoxas e heterodoxas: a relação de causalidade entre poupança e investimento.

Para aqueles com pouca disposição de ler o artigo, eis meu resumo: Ortodoxos acreditam que a causalidade vai da poupança para investimento, enquanto que para heterodoxos ocorre o inverso (investimento para poupança).

Toda vez que surge esse tipo de discussão, sempre me vem a mente a história de 'Sexta-Feira' e 'Robinson Crusoe'. Essa história, que ocorre em uma economia de trocas (traduzindo do "economês" isso significa dizer que é um mundo em que não há dinheiro em forma de moeda e que as pessoas realizam seus negócios na base de trocas de bens -- uma maçã por uma manga, por exemplo), implica em uma condição, necessária, para que as trocas ocorram: a poupança. Em outras palavras, a poupança precede o investimento.

Para não dizerem que estou sendo injusto e deixando de lado argumento de ambos os lados, heterodoxos argumentam que emerge da dimensão tratada do problema, ou seja, o resultado no agregado é distinto daquele que tratamos no nível micro... Por favor, além de corrigir eventuais besteiras, peço que complementem a argumentação que aqui faltar.

Ainda assim, me parece distante que tal resultado seja identificado no macro e não no micro.

Além disso existe uma questão temporal que, de certa forma, culmina na necessidade de poupança. As decisões que uma pessoa toma visam o consumo imediato, mas também o consumo futuro! Esse detalhe torna a decisão de poupança simultânea as decisões de consumo corrente... mais que isso, é a decisão de poupar hoje que financia (e garante) o consumo de amanhã. Me parece, portanto, um tanto equivocado tratar a questão da poupança como residual.

Vale lembrar que pessoas de baixa renda (e que não tenham um estoque de riqueza para "queimar" em tempos difíceis) venham a consumir toda (ou quase toda) sua renda para manter um nível mínimo de consumo (consumo de subsistência) e que, dessa forma, não poupam nada (ou quase nada) de sua renda.



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Poupança e investimento

Antonio Corrêa de Lacerda*







A carência de poupança e investimento, ambos abaixo de 20% do produto interno bruto (PIB), entrou na ordem do dia do debate econômico brasileiro, especialmente tendo em vista a relativamente bem-sucedida e rápida saída da crise e as perspectivas concretas de retomada do crescimento.

Há uma evidência na economia de que para sustentar o crescimento é preciso garantir uma taxa de investimentos que proporcione uma ampliação da oferta, isto é, da infraestrutura e capacidade produtiva das empresas de forma a atender à elevação da demanda sem gerar gargalos e pressões inflacionárias, assim como a explosão do déficit externo pelo aumento das importações requeridas. Também fica claro que países que investem muito, como é o caso especialmente dos asiáticos, possuem elevadas taxas de poupança (de 30% a 40% do PIB).

No entanto, o que nem sempre é tão evidente é o que vem primeiro. Se os países que mais crescem o fazem porque foram capazes de gerar poupança para viabilizar o investimento ou, se ao contrário, a partir de taxas elevadas de crescimento isso puxou os investimentos e, consequentemente, a poupança.
Para a macroeconomia ortodoxa a poupança é um pré-requisito para o crescimento. Isso exigiria anos, talvez décadas, para que se atingisse um nível ideal de poupança para financiar o investimento e o crescimento. Já para os heterodoxos é justamente a indução do crescimento acelerado que estimula o investimento, produz renda e, consequentemente, a poupança. Nesse segundo caso, a poupança é resultado do processo.

Há duas frentes de contribuições heterodoxas importantes nesse ponto, uma advinda da teoria e outra, da história de desenvolvimento econômico das nações. A contribuição teórica vem de John M. Keynes, cada vez mais citado na saída da crise, porém, ainda, infelizmente, muito pouco lido e interpretado. Para Keynes, ao contrário da ortodoxia convencional,
a poupança não é um pré-requisito para o investimento e o crescimento econômico, mas justamente o oposto. Ou seja, o que estimula o "espírito animal" do investidor produtivo é uma expectativa firme de crescimento da demanda. Portanto, a palavra-chave no caso é a criação de fontes alternativas de financiamento e crédito que independam de uma poupança prévia, no sentido de privação do consumo. A viabilização do financiamento e do crédito propiciaria a criação de riqueza e geração de valor agregado, portanto, renda da qual uma parcela poderá se constituir em crescimento da poupança. A ressalva é importante porque muitas análises de inspiração ortodoxa apontam a carência de poupança como fator impeditivo do investimento e do crescimento.

(MAS O QUE SERIAM 'FONTES DE FINANCIAMENTOS' -- SEJAM ELAS ALTERNATIVAS OU NÃO? AFINAL DE CONTAS, PARA QUE O FINANCIAMENTO EXISTA ELE DEVE SER RESULTADO DE...?? OU ESTOU EQUIVOCADO?)

A segunda contribuição importante, esta advinda da análise da experiência de desenvolvimento dos países, denota que especialmente no caso asiático a hipótese keynesiana se confirmou. Ou seja, o que proporcionou o aumento do investimento e da poupança foi, além de aspectos culturais e históricos, o crescimento econômico acelerado induzido por forte participação do Estado e o estímulo de políticas macroeconômicas favoráveis.

Para o Brasil, por exemplo, sabidamente de baixa poupança, sair desse dilema será determinante para o futuro. Não há mais tempo a perder. É preciso ter o crescimento e o aumento do investimento como objetivos de política econômica e criar um ambiente favorável para o investimento privado.

O mercado de capitais, as fontes públicas de financiamento (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, entre outros), o mercado financeiro, incluindo aí os fundos de pensão, os fundo mútuos e outros são importantes fontes de financiamento do desenvolvimento. O Brasil também tem uma experiência bem-sucedida de aproveitamento da poupança externa, especialmente o investimento direto estrangeiro para complementar suas necessidades.

As condições macroeconômicas são imprescindíveis, como câmbio competitivo, juros baixos e estrutura tributária adequada. Outro instrumento importante é a política de competitividade, leia-se política industrial, comercial e de inovação, que pode fomentar a geração de valor agregado local e exportações. O Brasil tem todas as condições de combinar ações que lhe sejam mais favoráveis ao desenvolvimento.

sexta-feira, novembro 06, 2009

Bolha Cambial - Nouriel Roubini, Folha de S.Paulo (3a-feira, 03/11/2009)

Creio que a leitura do artigo do economista Nouriel Roubini, publicado na Folha de S.Paulo (3a-feira, 03/11/2009), vale para uma discussão futura a respeito do tema "bolha" -- seja cambial ou não.

O artigo também consta no site abaixo:


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QUANTO MAIOR A BOLHA ATUAL, MAIOR SERÁ O INEVITÁVEL ESTOURO

Para o economista Nouriel Roubini, juros negativos nos EUA e dólar fraco geram "mãe" de todos os "carry trades" e bolha global cujo estouro é inevitável

NOURIEL ROUBINI
DO "FINANCIAL TIMES"

Desde março vem ocorrendo um aumento maciço em ativos de alto risco de todo tipo -participações, preços do petróleo, energia e commodities-, um estreitamento dos "spreads" de alta rentabilidade e alta classificação e um aumento maior ainda nas classes de ativos de mercados emergentes (suas ações, obrigações e moedas).

Ao mesmo tempo, o dólar caiu muito, enquanto a rentabilidade dos títulos governamentais tem aumentado ligeiramente, mas se mantido baixa e estável.

Essa recuperação dos ativos de alto risco é movida em parte por melhores condições econômicas fundamentais. Evitamos uma quase depressão e um derretimento do setor financeiro com um estímulo monetário e fiscal maciço e pacotes de socorro aos bancos. Quer a recuperação tenha formato de V, conforme a visão consensual, ou tenha formato de U e seja anêmica, como eu argumento, os preços dos ativos deveriam estar subindo gradualmente.

Contudo, ao mesmo tempo em que as economias americana e global iniciaram uma recuperação modesta, desde março os preços dos ativos vêm subindo vertiginosamente, numa alta grande e sincronizada. Em 2008, quando o dólar subia, os preços dos ativos estavam em queda forte, mas, desde março, eles têm recuperação acentuada, enquanto o dólar cai. Os preços dos ativos de alto risco vêm subindo demais, cedo demais e rápido demais em comparação com os fundamentos.

O que está por trás dessa alta maciça? Com certeza, foi ajudada pela onda de liquidez advinda de juros a quase zero e flexibilização quantitativa das condições monetárias. Mas um fator mais importante que alimenta a bolha de ativos é a fraqueza do dólar americano, movida pela "mãe" de todos os "carry trades" [operação em que o investidor pega empréstimos com juros muito baixos, como os dos EUA hoje, e aplica em outros ativos]. O dólar virou a principal moeda a financiar os "carry trades", na medida em que o Fed [BC dos EUA] vem segurando os juros. Os investidores que estão vendendo o dólar a descoberto para comprar ativos de rentabilidade maior e outros ativos globais em base altamente alavancada não estão só contraindo empréstimos a juros zero em termos do dólar -estão contraindo empréstimos a juros muito negativos, que podem chegar a 10% ou 20% negativos ao ano-, na medida em que a queda do dólar leva a ganhos maciços de capital sobre posições do dólar.

Resumindo: negociantes estão contraindo empréstimos a juros negativos de 20% para investir em base altamente alavancada em uma massa de ativos globais de alto risco que estão subindo devido ao excesso de liquidez e a um "carry trade" maciço. Cada investidor que joga esse jogo de alto risco fica parecendo um gênio -mesmo que só navegue numa bolha imensa-, já que os retornos totais têm estado na faixa entre 50% e 70% desde março.

A consciência que as pessoas têm do valor em risco de seus portfólios deveria ter aumentado devido à correlação crescente dos riscos entre classes diferentes de ativos, todos movidos por essa política monetária comum e pelo "carry trade". Na prática, virou uma grande negociação comum -você compra o dólar para adquirir qualquer ativo de alto risco.

Ao mesmo tempo, porém, o risco percebido das classes individuais de ativos vem declinando, na medida em que a volatilidade diminuiu graças à política do Fed de comprar tudo que está à vista. Assim, o efeito conjunto da política de taxa zero sobre fundos do próprio Fed, flexibilização quantitativa das condições monetárias e aquisição maciça de instrumentos de dívida de longo prazo está aparentemente fazendo o mundo ser seguro -por enquanto- para o maior de todos os "carry trades" e a maior de todas as bolhas de ativos globais altamente alavancados.

Ao mesmo tempo em que essa política alimenta a bolha global, também alimenta uma nova bolha de ativos americanos. Dinheiro fácil, facilitação do crédito e fluxo maciço de capitais para os EUA por meio de um acúmulo de reservas em divisas estrangeiras em outros países tornam os deficit fiscais dos EUA mais fáceis de financiar e alimentam a bolha americana de participações e crédito.

Finalmente, um dólar fraco é bom para as participações acionárias americanas, já que pode gerar crescimento maior e elevar os lucros de multinacionais.

A política americana insensata que alimenta esses "carry trades" obriga outros países a adotar a mesma política monetária. Políticas de juros a quase zero e flexibilização quantitativa já eram seguidas no Reino Unido, na zona do euro, no Japão, na Suécia e em outras economias avançadas, mas a debilidade do dólar vem agravando essa flexibilização monetária global. Ásia e América Latina, preocupadas com a fraqueza do dólar, estão intervindo agressivamente para impedir a valorização excessiva de suas moedas. Isso segura os juros de curto prazo em níveis inferiores aos desejáveis. É possível que os BCs também sejam forçados a reduzir os juros.

Preocupados com o dinheiro quente que vem inflando suas moedas, algumas autoridades, como as do Brasil, vêm impondo controles aos fluxos de capital entrantes. Mas a bolha do "carry trade" vai se agravar: se as moedas estrangeiras se valorizarem mais, o custo negativo dos empréstimos do "carry trade" ficará ainda maior. Se intervenções ou operações no mercado aberto controlarem a valorização das moedas, a flexibilização monetária doméstica decorrente alimentará a bolha nessas economias. Assim, a bolha perfeitamente correlacionada de todas as classes de ativos globais cresce diariamente.

Mas essa bolha vai estourar um dia, levando ao maior estouro coordenado de ativos já visto: se fatores puderem levar o dólar a reverter sua queda e a se valorizar repentinamente -como em inversões anteriores-, o "carry trade" alavancado terá de ser encerrado de uma hora para a outra, à medida que os investidores cobrem suas transações a descoberto com dólar. Haverá um estouro da boiada, com o fechamento de posições de alto risco e alavancagem longa em todas as classes de ativos financiadas por transações em dólar a descoberto gerando colapso coordenado de todos esses ativos de alto risco -ações, commodities, ativos de emergentes e instrumentos de crédito.

Por que esses "carry trades" desabarão? Para começar, o dólar não pode cair a zero, e em algum momento se estabilizará; quando isso acontecer, o custo de empréstimos em dólar repentinamente se tornará zero, em lugar de altamente negativo, e o risco de uma inversão no dólar levará muitos investidores a cobrirem suas transações a descoberto. Em segundo lugar, o Fed não poderá suprimir a volatilidade para sempre. Em terceiro, se o crescimento americano surpreender positivamente, os mercados podem começar a esperar que um arrocho do Fed chegue mais cedo, não mais tarde. Em quarto, pode haver fuga do risco movida pelo medo de um repique recessivo ou risco geopolítico, como um choque EUA/Israel-Irã.

Esse processo pode não ocorrer por algum tempo, já que o dinheiro fácil e a liquidez global excessiva ainda poderão elevar os ativos por algum tempo.

Mas, quanto mais se prolongarem e quanto mais crescer a bolha, maior o crash. O Fed e outros responsáveis pela política econômica parecem não ter consciência da bolha monstro que criam. Quanto mais tempo permanecerem cegos, mais dolorosa será a queda.


NOURIEL ROUBINI é professor da Universidade de Nova York e presidente da RGE Monitor.