quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Geithner vs Moody´s

Dando sequência ao post anterior (Moody´s e a ilusão monetária!), deixo aqui a reportagem, intitulada "Chega pra lá", publicada dia 08 de fevereiro de 2010 por Celso Ming (no Estadão).



Chega pra lá

8 de fevereiro de 2010 | 19h17

Celso Ming

Hoje o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, desautorizouuma das mais importantes agências de classificação de risco, a Moody’s, ao afirmar, em entrevista à rede de TV norte-americana ABC,que jamais os títulos de dívida do Tesouro do país(T-bonds, também conhecidos por treasuries) perderão o rating AAA (cotação máxima).

Até aí já havia rolado uma longa história. Quinta-feira, em relatório, a Moody’s avisou que os T-bonds corriam o risco de serem desclassificados em consequência da forte deterioração fiscal dos Estados Unidos.

A Moody’s é uma dessas agências que se encarregam de examinar a qualidade de um título. Seu objetivo é avaliar as condições que tem uma dívida de ser paga pelo devedor no dia do vencimento, de acordo com os termos de contrato.

É perfeitamente compreensível que a mais importante condição que um devedor tem de honrar seus compromissos de dívida seja a saúde de suas finanças. No caso de um país, essa condição é determinada pela robustez fiscal.

De acordo com a Moody’s, a relação entre a dívida do Tesouro norte-americano e a receita do governo federal recuará de 429% no ano fiscal de 2010 para 394% em 2020, nível excessivamente elevado que não dá mostras de melhora confiável.

As principais agências de classificação de risco, entre as quais está a Moody’s, têm sido fortemente criticadas por graves vícios de procedimento e por uma série de avaliações desastrosas.

O vício de procedimento é o de que as avaliações dessas agências são pagas por quem as encomenda, ou seja, os próprios interessados na qualidade dos títulos. As coisas são assim desde que esse serviço começou a ser feito e não se vê nenhuma iniciativa para mudá-las.

As avaliações desastrosas ficaram escancaradas a partir de setembro de 2008, quando as autoridades e os próprios bancos passaram a dar tratamento de ativos podres a títulos de dívida cuja excelência havia sido reconhecida até dias antes por essas agências.

Quando vem a público e afirma com todas as letras que o rating dos T-bonds, títulos que o mercado considera como referência (benchmark), pode ser rebaixado por causa das dúvidas sobre a capacidade de solvência dos Estados Unidos, a Moody’s parece empenhada em recuperar a credibilidade que ficou abalada.

Rebaixar o T-bond significa reconhecer que centenas de outros títulos públicos e privados, como os da dívida da Alemanha, da Suíça, do Canadá ou da Microsoft (cuja confiança não foi até agora questionada), podem ter qualidade melhor do que a atual referência global.

Mas, se o secretário do Tesouro norte-americano avisa que o alerta da Moody’s é descabido e que jamais os treasuriesperderão o selo AAA, mais uma vez as avaliações da Moody’s são duramente questionadas.

E Geithner não deixa de ter a lógica a seu lado porque, apesar da dívida gigantesca e do rombo orçamentário colossal, os Estados Unidos detêm a prerrogativa de emitir a quase única moeda internacional de reserva.

Quer dizer, se houver uma rejeição dos treasuries pelos credores, em última instância os Estados Unidos os resgatarão com emissão de dólares.

Moody´s e a ilusão monetária

Em artigo publicado, no Valor Econômico -- no caderno de Finanças, dia 04/02/2010 --, intitulado "Moody´s coloca rating dos EUA sob pressão", a agência de classificação de risco Moody´s adota uma postura que pode soar como o fim dos tempos (afinal de contas, o que seria do mundo caso a referência mundial fosse punida?).

Mas, quem refletir um pouco se questionará o que isso realmente implicaria...
Será que os efeitos seriam assim tão devastadores? Nem tanto, eu imagino.

(i) Afinal de contas, as notas são conceitos relativos. Ou seja, caso haja algum rebaixamento da nota dos títulos da dívida norte-americana, os EUA continuariam a ter os títulos mais seguros do mundo, tendo como efeito uma mera redução dos riscos relativos aos títulos mais seguros (dos EUA). Isso só seria diferente caso a mudança da nota implicasse que outra nação assumisse o posto dos EUA.

(ii) Aí entra meu segundo argumento... a Moody´s não teria coragem de substituir os títulos dos EUA por, por exemplo, China ou UE. Isso se segue do seguinte fato: o dólar ainda é a moeda forte do mundo. Grande parte das reservas do mundo está vinculada ao dólar.

Concluindo, na minha opinião, isso não passa de uma estratégia desesperada da Moody´s para tentar reestabelecer parte da sua credibilidade dissipada na crise.

Isso me faz lembrar dos efeitos de ilusão monetária de Friedman. A ameaça da Moody´s não tem fundamentos. O que faz dela uma mera ilusão...




Moody's coloca rating dos EUA sob pressão

Autor(es): Michael Mackenzie e Gillian Tett, Financial Times, de Nova York e Londres
Valor Econômico - 04/02/2010

A Moody's Investors Service lançou um aviso, ontem, segundo o qual a classificação de crédito soberano "AAA" dos EUA poderá ficar sob pressão, a menos que o crescimento econômico seja mais forte do que o esperado ou que medidas mais duras forem tomadas para combater o déficit orçamentário do país.

Em decisão que acompanha o crescimento da preocupação entre os investidores sobre o déficit americano, a Moody's afirmou que o país tem uma trajetória de crescimento da dívida "evidentemente em alta sustentada".

Steven Hess, diretor sênior de crédito na Moody's, disse que o déficit projetado na perspectiva orçamentária apresentada pelo governo Obama nesta semana não estabiliza os níveis de endividamento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). "A menos que novas medidas sejam tomadas para reduzir ainda mais o déficit orçamentário ou que a economia reaja de forma mais vigorosa do que o esperado, o quadro financeiro federal, tal como apresentado nas projeções para a próxima década, em algum momento exercerá pressão sobre a pontuação de crédito 'AAA' dos títulos do governo", disse Moody's em nota sobre emissores de títulos.

Nesta semana, a Casa Branca previu déficit orçamentário de US$ 1,565 trilhão para 2010, o que representa 10,6% do PIB e é a proporção mais elevada entre dívida e PIB desde a Segunda Guerra Mundial. Embora haja previsões de estreitamento do déficit orçamentário, para cerca de 4% em 2013, isso, em parte, se baseia em que o crescimento econômico não caia abaixo das expectativas do governo e que o Congresso concorde com aumento de impostos e congelamento de gastos com despesas discricionárias não relacionados com segurança. O crucial está nas projeções de que a dívida total em relação ao PIB americano passarão de 53% em 2009 para 73% em 2015 e 77% até 2020.

A Moody's, no entanto, diz que isso subestima o nível de endividamento geral americano. "Utilizando a medida geralmente usada por governos internacionalmente - incluindo governos estaduais, municipais e o governo federal -, essa proporção será bastante superior a 100% em 2020." A questão do risco soberano dominou muitas discussões no Fórum Econômico Mundial de Davos na semana passada. Embora muita atenção estivesse centrada na crise fiscal grega, preocupações foram também expressas quanto às perspectivas em países como os EUA e Reino Unido.

"Todo mundo tem razão para, neste momento, estar preocupado com a economia americana e seu dólar", disse Tony Teixeira, vice-diretor da Government of Singapore Investment. "Continuamos julgando que a economia dos EUA é a mais diversificada e resiliente no mundo, mas está passando por um momento difícil." No centro das preocupações, a questão é se países como os EUA, com o seu crescente peso da endividamento, têm a vontade política, ou a percepção consensual, para tomar medidas decisivas para reduzir a dívida.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Avante Argentina!

Aparentemente nossos hermanos têm se situado "do outro lado da força" quando o assunto é economia.

O que antes eram apenas notícias envolvendo políticas industriais impostas pelo governo argentino, agora envolve o BC.

Isso... não se assuste! "BC", aqui, se refere, literalmente, a Autoridade Monetária (o Banco Central).

Saiu no noticiário (no caso uso como referência a notícia do Estado de S.Paulo (05/02/2010), publicada logo abaixo dos comentários -- assim como já tinha sido indicada um dia antes neste mesmo jornal) a confirmação de que Marcó Del Pont é a nova presidente do BC Argentino.

Fato inusitado! Sem dúvida... mas em dobro.

Primeiro por se tratar de uma mulher no comando da maior autoridade monetária de um país. Em segundo lugar por se tratar de uma economista heterodoxa assumindo um BC em tempos em que a corrente dominante é ortodoxa.

A Argentina provavelmente enfrentará mais dificuldades -- agora no campo da inflação -- caso a então presidente (que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso argentino) resolva sancionar o uso das reservas argentinas para quitar as dívidas do país com credores internacionais que têm vencimento previsto para este ano.

Vale dizer que a permissão do uso das reservas pode não ter implicações pontuais apenas, mas de longo-prazo, na medida em que funcionaria como uma espécie de permissão para quaisquer problemas que emergissem na nos campos argentinos.

Alguns devem estar se lamentando pelo fato. Eu, pelo contrário, procuro ver o lado positivo nisso -- não aquele que muitos devem ter pensado: a rivalidade. É de conhecimento geral dos economistas que o tal laboratório econômico não funciona -- pelo menos no campo macroeconômico -- quando bem queremos. Ou seja, não podemos, simplesmente, fazer experimentos com o mundo real para que possamos extrair evidências que contribuam para testar teorias. Basicamente o que se faz no campo da economia é realizar inferências a partir de situações vividas -- por países diversos -- de tal forma consigamos usar as informações obtidas nessas circunstâncias com o objetivo de adequar as políticas ao que se supõe ser correto.

Eu diria que é, por esse lado positivo que menciono, uma felicidade para nós economistas vivenciar tais experiências de perto -- agora me refiro não só ao que ocorre na Argentina, mas a crise global que estamos presenciando --, pois serão elas que nos permitirão adequar nossas políticas mais a frente. Por isso digo, "Avante Argentina!"






Chefe do BC argentino relativiza autonomia

Fiel ao kirchnerismo, Marcó del Pont assume defendendo maior intervenção do Estado



"Acredito na autonomia operacional do Banco Central, mas não em sua independência total." Com essas palavras, a economista neokeynesiana Mercedes Marcó del Pont iniciou ontem sua gestão à frente do BC argentino, mostrando total alinhamento com a presidente Cristina Kirchner.


Marcó del Pont é conhecida por suas posições favoráveis à interferência do Estado na economia e defende o "aprofundamento" do modelo econômico da administração Kirchner. Seu antecessor foi o ortodoxo Martín Redrado, removido por Cristina por discordar do uso de reservas do BC para o pagamento de US$ 6,5 bilhões da dívida pública que vence neste ano.

Marcó del Pont disse que "a política econômica (do governo Kirchner) é consistente", fato que permitiu à presidente Cristina manter "o nível de reservas, o crescimento econômico e a expansão do mercado interno e das exportações". Ela relativizou a importância das reservas do BC ao afirmar que elas são "uma consequência da política econômica, e não a causa disso".

A economista afirmou que a política monetária e cambial aplicada nos últimos anos pela administração Kirchner "será mantida". Além disso, ela descartou os rumores existentes sobre uma eventual desvalorização da moeda, embora seja uma conhecida partidária de um dólar alto que estimule as exportações e a produtividade industrial.

Sua nomeação ainda deverá ser confirmada - ou rejeitada - pelo Senado. No entanto, os analistas políticos destacam que a discussão na Câmara Alta entre o governo e a oposição poderia levar vários meses. Enquanto isso, ela terá poderes totais para exercer suas funções, com o respaldo da presidente Cristina.

A nova chefe do BC é considerada "ultra-kirchnerista" pela oposição. Mas, apesar das divergências existe uma opinião positiva sobre sua capacidade acadêmica. Ela é considerada uma pessoa com a qual "é possível dialogar". Além disso, não está envolvida em suspeitas de corrupção, ao contrário de boa parte dos políticos ligados ao casal Kirchner. Julián Guarino, colunista do jornal El Cronista disse que Marcó del Pont tem uma personalidade "obstinada" e quer a presença do Estado "até em um prato de sopa".